Um amor que comove, inspira e também tem suas dores. A relação de animais com seus tutores é, muitas vezes, de afeto, apego e cuidados. Nos últimos dias, o Brasil se emocionou com a morte da cachorra Estopinha, considerada a primeira influenciadora pet do país. Pelas redes, ela era acompanhada por milhões de pessoas, que se divertiam e aprendiam com a sua rotina, adestramento e brincadeiras.
Ela tinha 14 anos – idade considerada bastante avançada para cachorros – e estava doente. Como compartilhou o seu tutor, Alexandre Rossi, zootecnista e veterinário, os sentimentos de perda começaram ainda antes da sua partida, quando ele viu como estava diferente e cada vez adoecendo mais. Com o passar dos dias, o tutor contou como está vivendo o luto e a dor por não tê-la mais por perto. Em seu perfil no Instagram, escreveu: “uma parte de mim foi destruída”.
Quando completou uma semana da morte da cachorrinha, Alexandre publicou o vídeo “Como está sendo minha vida sem a Estopinha” e continuou o diálogo sobre essa perda, perguntou quem já passou por isso e como lidou com a situação, contando o seu processo. Para levantar esse assunto e ajudar outras pessoas, ele tem feito mais posts e realizou uma live com a psicóloga Joelma Ruiz, especialista em luto. Entre os temas, explicaram o que é o luto e a importância de curtir cada segundo com os pets.
A psicóloga Julita Sena, que tem capacitação em luto, explica que muitos vínculos estabelecidos nas relações não têm a validação social que deveriam ter, como é o caso da perda dos animais de estimação.
“Você divide parte da sua vida com esse animal. No seu dia a dia, estabelece uma relação com ele, porém por essa relação ser muitas vezes subestimada, a perda dele também é invalidada, e isso acaba refletindo no processo de luto. A gente precisa ter muito cuidado, pois os pets, de modo geral, têm uma representação muito importante na vida das pessoas que os criam”, contextualiza a profissional.
É importante, para quem está passando por esse tipo de perda, não deixar que a falta de validação social impeça de lidar com a dor de perdê-lo e viver essa relação de afeto.
“É importante que cada um esteja atento para reconhecer a dimensão que essa perda tem pra si. Isso serve também para as pessoas que estão no entorno daquele que perdeu o seu animal de estimação, para que tenham cuidado com essa perspectiva de ‘ah, mas era só um cachorro, um gato’. A questão é: qual a função que esse animal tinha na vida daquela pessoa e poder dar, sim, a devida importância a esse laço”, explica Julita, que enfatizou como é relevante o movimento que Alexandre está fazendo para que as pessoas possam pensar mais sobre esses vínculos e também a dor que eles provocam.
Do ponto de vista da Lei, esse luto também não é reconhecido, pois não existe uma lei trabalhista no país que permita folga no trabalho devido ao falecimento de um animal de estimação. Segundo a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), os trabalhadores podem se ausentar do serviço, sem prejuízo no salário, apenas no caso do falecimento de cônjuge, ascendentes (bisavós, avós e pais), descendentes (filhos, netos e bisnetos), irmãos ou pessoas que estejam declaradas em sua carteira de trabalho e previdência social e vivam sob sua dependência econômica.
Porém, o Projeto de Lei 221/23 está em trâmite na Câmara dos Deputados e propõe que o trabalhador possa faltar ao serviço por um dia em caso de morte de cachorro ou gato de estimação, desde que comprovada por atestado de óbito.
Carla Moraes é voluntária da Organização Não Governamental (ONG) Tombalatas, que atua em Curitiba (PR) e resgata, cuida e encaminha cachorros e gatos para a adoção. Foi pelo amor pela cachorrinha Nelli que ela criou a ONG.
“Ela me fazia tão bem que eu pensei: os cães não merecem sofrer. Virou a chave, sabe?”, relata Carla.
Em 2018, Nelli “virou estrelinha”, como a fundadora da Tomba costuma falar. Ela conta que chorava todo dia, entrou em depressão e disse que não queria mais ter cachorro. Porém, recebeu a foto de uma cachorrinha que estava na casa de uma pessoa que acumulava coisas devido a um transtorno. “Eu levantei da cama, literalmente, e falei pro meu marido: ‘vamos adotar essa pequena’. Nós duas nos resgatamos”. Essa cachorrinha é a Milu. Sobre o seu luto, ela relembra que teve apoio, o que foi fundamental.
“Cada um vive seu próprio luto. Eu estava cercada de pessoas muito lindas que ajudaram demais. Meu luto foi reconhecido e eu pude passar sem mais traumas. Há pessoas que nem podem chorar ou viver seu luto pelo pet”, afirma.
Por fim, ela tem um recado: “viva seu luto, mas deixe o coração aberto para um novo amor”.
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