A morte de uma criança e a vida de quem fica

A morte de uma criança e a vida de quem fica

Orion Caleffi tinha pouco mais de um ano quando faleceu. Uma criança saudável, que por uma fatalidade acabou partindo. Durante alguns dias ficou internado no hospital, lutando por sua vida, ao lado de seus pais, mas isso não foi o suficiente.  

“Foi um choque muito grande ver o filho morto e tê-lo visto sete dias antes do acontecido, perfeitamente sadio. E, ainda no mesmo dia, enterrá-lo. Foi como se tirassem um pedaço das nossas vidas”, disseram os pais do menino.  

 

Orion Caleffi tinha pouco mais de um ano quando faleceu. Foto: Arquivo pessoal

 

Na época, Alvaro e Joice Caleffi, seus pais, já tinham outro filho, Rafael, que em 1983 tinha cinco anos. Desde a partida do então filho caçula, a casa permanecia silenciosa. Nem mesmo todas as visitas e presenças faziam com que a ausência e a dor diminuíssem.

Apesar da morte já ter completado mais de 40 anos, o sentimento de luto ainda é presente na família, embora com menor intensidade. “A aceitação foi muito lenta. Demorou anos para sair a imagem dele no nosso convívio. Acho até que passou de 15 anos”, completaram. 

A família aumentou muito desde então. Foram mais três filhas, seis netos e muitas histórias para contar. No entanto, a não presença física do segundo filho ainda é presente na vida de todos. 

“Para nós, os filhos são cinco. O que a gente nota, é que quando somos interpelados sobre o número de filhos ou os que são nossos, se torna sempre uma pergunta indesejada, pois vem a lembrança daquele que não está presente”.

 

Alvaro e Joice ao lado dos filhos, Rafael, Raquel, Rubia e Renata. Apenas Rafael era vivo quando Orion faleceu. Foto: Arquivo pessoal 

 

Por que crianças morrem?

“Naquela ocasião, Jesus disse: “Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos (Mateus 11,25). 

 

Pela ordem natural da vida, é difícil imaginar que uma criança vai morrer antes de um adulto. E mais, que ela vai sofrer e ter que lutar por sua vida. Mesmo assim, às vezes isso acontece. 

Em diferentes momentos, Deus nos mostra que não é de seu interesse ver o sofrimento humano. Só que todos nós temos uma missão na Terra e crianças também cumprem suas missões. 

Papa Francisco, em 2015, falou sobre a morte dos filhos e o luto dos pais. Segundo o Pontífice, a morte, por si só, já é uma experiência difícil, e se torna ainda mais complexa quando atinge crianças. Nas palavras dele, quando isso acontece parece que há uma contradição na natureza elementar das relações que dão sentido à própria família. 

“A perda de um filho ou de uma filha é como se o tempo parasse: abre-se um buraco que engole o passado e também o futuro. A morte, que leva o filho pequeno ou jovem, é um tapa nas promessas, nos dons e sacrifícios de amor alegremente entregues à vida que fizemos nascer”.

Francisco complementa que toda a família acaba afetada com a morte da criança, porque o vazio do lar – e também dentro do coração – são angustiantes e sem explicação. 

“Quanta gente – eu as entendo – fica com raiva de Deus, blasfema: “Por que me tirou o filho, a filha? Mas, Deus não existe, não existe! Por que fez isso?”. Tantas vezes ouvimos isso. Mas essa raiva é um pouco aquilo que vem do coração, da grande dor”, completa. 

Aceitar a morte tão prematura de um filho não foi fácil para Alvaro e Joice, que fizeram exatamente o que o Papa destacou. O casal sofreu e precisou de muito apoio da família e de amigos, além da fé, para conseguir retomar suas vidas. Culpa, medo, raiva e até desespero eram alguns dos sentimentos vividos pelo casal, que hoje consegue falar sobre o tema, contudo, ainda com a dor e a saudade muito presentes. 

“Acompanhar o momento ao lado da família é uma necessidade. Às vezes só a mensagem de que está orando por eles, que está ao lado deles já é suficiente. No momento da perda, a família também pode auxiliar na burocracia, porque é algo difícil de lidar”, afirma Irmã Maria Eugênia Silva, enfermeira que trabalha no Hospital Infantil Pequeno Príncipe,  de Curitiba (Paraná).

 

Viver depois da morte de um filho criança

Pais que perdem seus filhos pequenos sofrem muito, em um sentimento de luto constante. Mesmo assim, é possível seguir após a morte prematura e acreditar nos propósitos de Deus para a vida. 

No mesmo discurso, Papa Francisco disse que a morte física é apenas uma etapa da nossa vida, que devemos encarar e mais: viver com muito amor e fé. 

“Todas as vezes que a família no luto – mesmo terrível – encontra a força de proteger a fé e o amor que nos unem àqueles que amamos, essa impede já agora a morte de pegar tudo. A escuridão da morte deve ser enfrentada com um intenso trabalho de amor”, disse o Pontífice. 

Muitos pais fazem como Alvaro e transformam a dor em uma ajuda ou missão. Elaborar a falta do filho com o que ele gostava ou precisava costuma trazer conforto. 

Os seis netos do casal em uma viagem de família. Foto: Arquivo pessoal 

 

Alvaro comenta que enfrentou a morte do filho buscando ajudar quem mais precisava, ou seja, na compaixão e no amor. Como farmacêutico, atendeu famílias em situação de vulnerabilidade social gratuitamente e ajudou o máximo que conseguiu. A dor se transformou em amor ao próximo, para que pudesse reduzir as dores de outras pessoas curando a si. 

 

Apoio da família

A família também foi fundamental para a superação. “Todos os membros nos ajudaram a superar a tristeza. Fazíamos todos os domingos um churrasco e depois, íamos para o cemitério levar flores, fazer uma oração. Estas práticas nos confortam. À medida que o conforto foi aumentando, começou a ocorrer um espaçamento maior nas visitas ao cemitério, até que não fossem precisas as semanais”.

Quarenta anos depois da despedida, Orion jamais foi esquecido. Ele faz parte da memória de todos os integrantes da família – até mesmo das suas irmãs e sobrinhos que nasceram depois. Anualmente, a família se reúne para lembrar do agora chamado de “anjo da guarda” da família no Dia de Finados. 

Família reunida para o batizado da neta mais nova de Alvaro e Joice, Malu. Foto: Arquivo Pessoal

 

“A perda de um filho ou filha é um momento indescritível para os pais. É como transpassar uma espada no coração dos pais, sendo uma dor incomparável. É um sentimento que é impossível de explicar, e que até podemos imaginar, mas não estamos no sofrimento de quem perde uma das coisas mais preciosas de sua vida”, disse a Irmã Maria Eugênia. 

 

Fé e espiritualidade para pensar no amanhã

A fé e a espiritualidade são também maneiras de encarar as perdas tão difíceis como a de filhos. A psicóloga com capacitação em um luto, Julita Sena, que também é colunista do IDe+, destaca a importância da fé quando o assunto é o luto. 

“Vejo a fé e a religião como suportes que ajudam na organização das ideias no sentido de orientar, esclarecer sobre aspectos relacionados à vida e sobre a morte” .

Foi exatamente o que aconteceu com os pais de Orion. “Para a superação, precisamos buscar conhecimento no campo da espiritualidade, pois no campo do mundo materialista a única explicação foi a fatalidade. Mas após a morte, muitas coisas começaram a se evidenciar em nossas vidas, em todos os campos”.

Para finalizar, o casal comenta que a dor e a saudade são superadas a partir do apoio familiar e da fé. “O sofrimento será diluído com a ajuda da família e na espiritualidade, que tem muitas evidências concretas, dá uma sustentação e equilíbrio mental para o enfrentamento”, finalizam.  

Ao lado dos netos, o casal comemora a família, sem jamais esquecer de Orion. Foto: Arquivo pessoal

 

Papel da Igreja

A Irmã Maria Eugênia da Silva conta que quando começou sua vocação, já iniciou cuidando de crianças hospitalizadas. Ainda como aspirante, sentiu-se tocada pela dor das famílias.

“Eu via as crianças e os pais sofrerem depois do horário das visitas, porque não podiam ficar juntos. Senti, nesse momento, um forte chamado para a vocação da enfermagem e para a Igreja”. 

Mais do que uma missão dela mesma, a Irmã comenta que auxiliar os doentes e as pessoas em vulnerabilidade é uma missão da Igreja, porque é nesta hora de dor e sofrimento que a fé fica ainda mais empoderada.

 “A fé é uma grande aliada durante os momentos de medo e angústia. Ela mantém a esperança, a força, a paciência e a compaixão. Ela potencializa o espírito, mas também cuida do corpo, dando mais resistência aos pais e amor para permanecer ao lado dos filhos o tempo que for necessário”, completa. 

Nos momentos de dor, conforme diz a Irmã Maria Eugênia, é que precisamos nos apoiar ainda mais a Deus. “Sentimos a força que não nos desampara nEle. É Ele quem ajuda a encarar a vida dali por diante”. 

Alvaro e Joice, hoje aposentados, dedicam seu tempo também para cuidar dos netos em momentos únicos com a família. Foto: Arquivo Pessoal. 

O que você achou desse conteúdo?

Deixe seu comentário sobre o que você achou do conteúdo.

Aceito receber a newsleter do IDe+ por e-mail.

Comentários

  • Luís oliveira da Silva
    li o escrito e resolvi falar um pouco da minha jóia preciosa que não está mais aqui. .Eu vi o meu lindo filho David de 14 anos morrer em um acidente grave provocado por um homem embriagado isso foi em 2de março de 2021 hoje é 6 de janeiro de 2023 nossa que dor horrível é sem medida é um vazio profundo uma imensa solidão sem fim .o sonho do meu filho David era de ser pregador da palavra do altíssimo criador da e de ser um médico cardiologista acabou esses sonhos e a minha vida e da minha esposa e da minha filhinha Tharsyla não é mais a mesma . nós era muito felizes agora o senário e outro.o último versículo que o meu filho David leu na congregação foi em João 14.v.21
  • Regina Maria Souza de Barros Barreto
    Emocionante!! Como a Fé nos faz conseguir, vencer as tribulações , por mais difícil que seja.
  • Patrícia Pereira
    Muito lindo! Testemunho de fé!!

Cadastre-se

Cadastre-se e tenha acesso
a conteúdos exclusivos.

Cadastre-se

Associe-se

Ao fazer parte da Associação Evangelizar É Preciso, você ajuda a transformar a vida de milhares de pessoas.

Clique aqui

NEWSLETTER

IDe+ e você: sempre juntos!

Assine nossa newsletter, receba nossos conteúdos e fique por dentro
de todas as novidades.