A saudade e falta de Deus em nossas vidas

A saudade e falta de Deus em nossas vidas

 

A caminhada terrena é marcada por dificuldades, provações e adversidades que, por vezes, em nossa vã compreensão existencial, não somos capazes de discernir. Nesses momentos de crises, nos vemos em situações de reavaliação, de recalcular rotas e de questionar muitos sentimentos ou certezas que antes estavam intactas em nossos corações. Esse sentimento pode ser chamado de “saudade de Deus”.

Para algumas pessoas, esses períodos podem impactar diretamente na força da sua fé ou, ainda, na sua crença no amor de Deus por Seus filhos. Não são raros os relatos de pessoas que acreditavam em Deus e, depois de passar por situações traumáticas ou impactantes, se afastaram do Pai ou deixaram de crer em Sua existência e bondade. Da mesma forma, muitos são aqueles que retornam à Casa dEle por meio da Igreja. 

Foi exatamente esse o caminho percorrido por Brena Eduarda do Nascimento Lopes Chagas, de 20 anos.  Desde a infância, vivia uma rotina de caminhada próxima a Deus, com uma ligação muito forte. “Lembro da igreja desde de pequena, tive uma experiência com Deus aos sete anos. Estava em um retiro e pedi para que Deus falasse comigo e, por meio da vida de uma missionária, Deus a usou para falar comigo coisas que absolutamente só eu sabia e fui impactada grandemente por Sua presença, foi a primeira vez que o senti e foi surreal”, recordou-se. 

Em seu dia a dia, buscava um relacionamento diário, sempre lendo a Bíblia para conhecer mais de Deus e ter direcionamento. Em sua adolescência, aos 14 anos, um período difícil começou e tudo mudou.

Passei por um processo dolorido na família e enfrentei a depressão. Me afastei de Deus, parei de buscar como fazia, não orava com tanta frequência, me afastei de tudo. Tentei o suicídio aos 14 anos e esse ato me fez despertar, percebendo que eu estava afastada de Deus há nove meses”, relatou a jovem. 

O período citado por Brena é parte de um tempo de confusão ou incertezas que todos podemos enfrentar em nossas vidas. E, durante essas fases, são muitas as formas às quais o ser humano recorre, na busca acelerada por um sentido ou significado existencial. 

Brena é exemplo de alguém que superou a saudade de Deus. Foto: Arquivo pessoal. 

 

É possível superar o vazio?

“Nós podemos tentar vencer esse vazio de outras formas: alguns tentam no mundo das drogas, no mundo das felicidades humanas – as quais são passageiras – e vamos entrando nesse esvaziamento no qual começamos a ver que a existência não tem nenhum sentido e, às vezes, chegando ao ponto de atentar contra a própria vida”, avaliou o Padre Érico Gabriel Gurkowski, da Diocese de Guarapuava, coordenador da Ação Evangelizadora e pároco da Paróquia São Luís Gonzaga e Beato Carlo Acutis. 

Brenda recorda-se bem dessa busca. “Nessa época eu morava em Itapoá (SC) e, então, voltei para Guarapuava. Sentia um vazio dentro de mim que pessoas não podiam preencher e não importa o quanto eu tentasse preencher buscando as coisas materiais e terrenas, o vazio continuava ali. Ele estava ali e a solidão era quase palpável. Voltando para Guarapuava, comecei a ir de volta à igreja”, detalhou. 

Isso acontece, na compreensão do pároco, porque “Deus, desde o princípio, coloca uma centelha divina – validação da vital Energia do Próprio Deus dentro de nós – em nossos corações e vidas, pela qual todo ser humano anseia por essa busca por Deus”. Quando rompemos essa centelha, seu vazio precisa rapidamente ser preenchido de alguma forma. “Esse grande vazio que a pessoa passa a ter em seu coração é parte do desejo que temos de encontrar sentido”, complementou Érico. 

Um exemplo católico dessa experiência é Santo Agostinho, que em seu caminho buscou de diversas formas preencher o vazio que sentia em uma busca constante pela felicidade e sentido de vida. Quando essa busca ocorre em experiências passageiras ou mundanas, não há quietude no coração, pois ao término da experiência vivida, a crise retorna. 

“E aí vem essa tendência de estar buscando uma coisa nova. Isso quer dizer que a pessoa ainda não se encontrou com seu verdadeiro sentido. Qual o sentido da vida? Isso é o que buscamos, realizar em nós esse encontro com Deus. Essa é a grande motivação para nós, cristãos, e também não cristãos: fazer essa luta, essa busca pelo verdadeiro sentido da vida, assim como Santo Agostinho fez”.

 

Como preencher os vazios

Considerado um dos doutores da Igreja Católica por seu esforço em criar uma base teológica para o cristianismo, Santo Agostinho buscou na filosofia e até no ateísmo preencher esse vazio, mas só o teve depois do seu encontro com Deus – que faz parte da busca do ser humano pela felicidade e o Catecismo da Igreja Católica nos orienta sobre isso. 

Parágrafo 1718: “As bem-aventuranças respondem ao desejo natural de felicidade. Este desejo é de origem divina; Deus pô-lo no coração do homem para o atrair a Si, o único que o pode satisfazer”. 

Para a jovem, esse momento de reencontro e preenchimento do vazio veio em um momento pessoal do qual ela lembra com muita clareza.

“Em um dia eu estava triste com o coração doendo, sai para ir à igreja e estava falando com Deus na rua sozinha e disse assim: ‘Senhor, eu preciso tanto ouvir a Sua voz, estou tão triste e preciso sentir seu abraço e ouvir o senhor’. Nesse mesmo dia me chamaram até o altar e me deram um abraço. De uma forma que nunca fui abraçada antes, pude sentir realmente Deus com Seus braços de amor me abraçando e, naquele momento, me carregando no colo. Saí impactada pelo mover de Deus e, desde esse dia, nunca mais me afastei dos Seus caminhos”, narrou. 

Segundo Brena, a experiência do afastamento e reaproximação com o Pai foi decisiva para sua compreensão sobre a fé e os ensinamentos . “Busquei-O com toda intensidade do meu coração. Entendo que Seu amor não falha e Ele sempre esteve comigo e cuidou de mim. Quando estamos cansados podemos diminuir o ritmo, tomar uma água e descansar, mas não podemos parar”, ponderou. 

 

O vazio de quem vive com saudade de Deus

Esses períodos de dúvidas e incertezas que enfrentamos ao longo da vida, além de nos afastarem do Pai, nos trazem saudade do Senhor e de sentir Seu amor por perto. Brena viveu isso fortemente. “Sentia saudade de ouvir Deus, de conversar com Ele, pois em nossos momentos juntos em oração Ele falava comigo e eu não me sentia sozinha. Mas no meu processo, me ausentei de tudo, parecia não ter mais forças para lutar. A tristeza que eu sentia parecia ser grande a ponto de me desanimar”. 

Para ela, a saudade só cessou quando o Pai voltou a ser parte forte da sua vida e a jovem compreendeu que Ele sempre foi o sentido de tudo.

“Depois do meu reencontro com Deus, compreendi a minha identidade, entendi sobre Seu amor imensurável, sobre o vazio que eu sentia e buscava nas coisas terrenas, entendi que era passageiro e apenas Deus pode me preencher por completo. A tristeza foi transbordada por uma alegria e a falta de perdão que me machucava. Passar por essa fase da minha vida me fez ser quem eu realmente sou hoje, pois Deus é muito mais que um achismo ou um arrepio. É a minha estrutura, o que me constitui e fez ser quem eu sou hoje”, avaliou. 

 

Mas, como posso, em meio às dificuldades e dúvidas, fortalecer minha fé?

A procura pelo Senhor, nos momentos de fragilidade, encontra consolo e aconchego na palavra de Deus. Jesus nos fala da fortaleza que precisamos ter na passagem bíblica sobre a samaritana. 

Assim, ele chegou a uma cidade de Samaria chamada Sicar, perto do campo que Jacó tinha dado ao seu filho José. 6 De fato, ali ficava o poço de Jacó. E Jesus, cansado da viagem, estava sentado junto ao poço. Era por volta da sexta hora. 7 Uma mulher de Samaria chegou para tirar água. Jesus lhe disse: “Dê-me um pouco de água.” 8 (Os seus discípulos tinham ido à cidade para comprar alimento.) 9 Portanto, a samaritana lhe disse: “Como é que o senhor, sendo judeu, pede água a mim, apesar de eu ser samaritana?” (Porque os judeus não têm tratos com os samaritanos. 10 Jesus lhe respondeu: “Se você soubesse da dádiva de Deus e soubesse quem é que lhe diz: ‘Dê-me um pouco de água’, você lhe teria pedido, e ele lhe teria dado água viva.”11 Ela lhe disse: “O senhor não tem nem mesmo um balde para tirar água, e o poço é fundo. De onde tirar então essa água viva? 12 Será que o senhor é maior do que o nosso antepassado Jacó, que nos deu o poço e bebeu dele junto com seus filhos e seus rebanhos?” 13 Em resposta, Jesus lhe disse: “Todo aquele que beber desta água ficará novamente com sede. 14 Quem beber da água que eu lhe der nunca mais ficará com sede, mas a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para dar vida eterna.”15 A mulher lhe disse: “Senhor, dê-me dessa água, para que eu não tenha sede nem venha mais aqui para tirar água.” ( João 4, 5-15

Nas palavras bíblicas, entendemos a água viva oferecida por Jesus como nossa força e ânimo na caminhada, guiando-nos ao propósito de preencher nosso vazio com o sentido da vida e a felicidade. 

Outra passagem citada como fonte de fortalecimento da fé e encontro com Deus é o livro de Mateus 7, 21: “Nem todo aquele que diz a mim: ‘Senhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus, mas somente o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus”.

Padre Érico nos lembra a partir dessa citação que não basta ouvir a palavra de Deus, mas colocá-la em prática em nossa vida, como a parábola da casa na areia e na rocha, presente no livro de Mateus. Ela nos fala de estrutura, sabedoria, obediência, fé, fundamento e investimento. 

“Todos nós passamos por momentos difíceis, não é porque somos cristãos que não vamos passar por dificuldades. Se nós seguíssemos Jesus Cristo somente para os benefícios seria muito vazio. É como o casamento: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, em todos os momentos de nossas vidas. E também seria cômodo viver assim”, ponderou o padre. 

Papa Francisco já propôs a reflexão sobre o comodismo na Igreja Católica, ao declarar que prefere “uma Igreja que está ferida, faminta e suja, em vez de uma igreja enferma por estar confinada e agarrada em sua própria segurança. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro e que termine fechada em um monte de obsessões e procedimentos”. 

Sua fala nos recorda da necessidade de acolhermos as dificuldades e felicidades, como partes da vida e da caminhada de fé. “Quem não tem Deus na sua vida entra em desespero, pois sem Deus, não há esperança. Quem vive somente para esse mundo se desespera porque ele é ilusório. Deus nos fala para buscar tesouros que durem para a vida eterna. Todos nós podemos passar por momentos de dúvidas, mas sempre seremos convidados a fortalecer nossa fé”, finalizou padre Érico. 

Com base em sua experiência e enfrentamentos, Brena deixa um recado bastante importante para quem, hoje, vive na saudade de Deus. “E para quem está afastado de Deus, a volta para Cristo é necessária. Assim como o filho pródigo saiu de casa, ele também voltou e o Pai estava esperando por Ele. Deus espera por você que está afastado, a volta pode não ser um caminho fácil, você encontra dificuldades e obstáculos. Mas viver afastado dos caminhos do Senhor é perigoso e desnecessário. Talvez a igreja que você estava mudou, as pessoas podem não ser mais as mesmas ou também podem ter mudado. Mas Deus não mudou, ele continua sendo o mesmo ontem, hoje e para todo sempre o pai está com saudade de você filho, Ele continua oferecendo seu amor”. 

Para a reaproximação com Deus, ela compartilha uma citação bíblica especial. 

Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e, pelas suas pisaduras, fomos sarados. A cruz era nossa, mas ele tomou sobre ele, o pai aguarda pelo seu retorno”(Isaías 53,5)

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Comentários

  • Pedro Manuel
    Este conteúdo é um despertador, dá coragem para fortificar a fé
  • Ana Maria
    Achei super maravilhoso, parece que era para mim. Obrigada 🙏
  • Valéria
    Que lindo! <3

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