Alimentos do Povo e Deus

Alimentos do Povo e Deus
A Bíblia está repleta de menções a alimentos. Pão, vinho, peixe, azeite, sal, leite, mel, vinagre, água, ervas e cereais aparecem em vários versículos dos 73 livros que compõem o Antigo e o Novo Testamento. Uma das principais passagens sobre a história de Jesus, a Santa Ceia, também envolve comida. Mas qual a importância disso tudo para o Povo de Deus? 
Os hábitos alimentares dos hebreus e de outros povos antigos em vários momentos de sua trajetória e a análise dos principais alimentos citados nas Escrituras são revelados no livro “A mesa de Deus – Os alimentos da Bíblia”, da escritora e pesquisadora gastronômica pernambucana Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti, lançado pela Editora Record.
O livro é resultado de dez anos de pesquisas e surgiu durante uma conversa – à mesa! – entre ela, seu marido José Paulo e o cardeal Dom Tolentino Mendonça sobre a importância da alimentação para o cristianismo.
Sem ter formação teológica e sequer ter lido a Bíblia completamente até então, a autora se viu diante de um grande desafio, que venceu com maestria. 
 

Trabalho contou com ajuda de teólogos e especialistas em alimentação

O primeiro passo de Maria Lecticia foi se debruçar sobre a Bíblia e anotar todos os versículos que mencionam alimentos. Foi quando percebeu que não seria tarefa fácil. Eles foram marcados, conferidos, separados por assunto e digitados no computador. 
Foi preciso uma pesquisa paralela para situar o tempo histórico das narrativas, como as civilizações de cada período – persas, gregos, romanos, egípcios – e ainda os locais onde os fatos ocorreram. Para ter o suporte necessário para escrever, a autora contou com a ajuda de teólogos e estudiosos do tema. 
“A mesa de Deus” analisa e organiza as referências aos principais alimentos e ingredientes dos tempos bíblicos, entre cereais, carnes, frutos, temperos e outros, bem como os utensílios onde os alimentos eram preparados, os rituais e os significados espirituais de cada um.
“A Bíblia pode ser lida de muitas maneiras. Os ingredientes, as receitas, nos trazem lições preciosas”, diz Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti, que optou por usar uma forma fluida e acessível de leitura.
“Procurei escrever um livro no qual estivessem todas as informações que pesquisei, ilustradas pelos versículos. E que fosse leve”, diz a autora.

Trechos do livro

Pão

“O pão esteve presente, sempre, em todas as culturas. Mas só depois de algumas conquistas: o domínio do fogo, o início da agricultura, o desenvolvimento da cerâmica. Em potes de barro, eram postos, no fogo, água e grãos. Em seguida, também azeite. Para que durassem por mais tempo, aquelas papas, começaram a ressecá-las, diretamente no fogo ou sobre pedras naturalmente aquecidas pelo sol. Nasciam, assim, os primeiros pães, ainda rudimentares.”
 

Vinho

“Não se sabe exatamente quando nem onde foram produzidos os primeiros vinhos. (…)  As mais antigas sementes (de uva), datadas por marcação de carbono entre 7000 e  5000 anos a.C., foram encontradas em Byblos (Líbano), Catal Hüyük (Turquia), Damasco (Síria), Geórgia e Jordânia. Remontam ao período em que os homens passaram de nômades para uma vida sedentária e começar a plantar. (…) Na Bíblia, há 230 menções ao vinho.”
 

Vinagre

“O ‘vinus acrem’ nasceu junto com o vinho. É que, por vezes, o próprio vinho se convertia em vinagre (ácido acético); não se conseguindo explicar, naquele tempo, a razão. (…) No início, o vinagre foi usado apenas como remédio. O médico e filósofo grego Hipócrates (460-370 a.C.), considerado o pai da medicina, receitava duas colheres de sopa, depois das refeições, para ajudar na digestão. Talvez pela mesma razão, consta na Bíblia, que ‘Booz disse a Rute (serva que trabalhava num campo de trigo): ‘Vem cá, come deste pão e molha teu bocado no vinagre’ (Rt 2,14).
 

Azeite

“Oliveira é uma das árvores mais importantes da Bíblia. (…) A árvore é originária da Ásia Menor, ‘onde se encontram os mais antigos vestígios da sua cultura’. A partir de lá, por toda a orla do Mediterrâneo, que tinha ‘outonos chuvosos, invernos suaves e os verões secos e quentes com grande luminosidade’ (…). Na Antiguidade, o azeite foi utilizado para muitos fins e reverenciado por todas as culturas. No início, era usado como combustível de iluminação, cosmético, perfume, remédio ou em cerimônias religiosas.”
 

Reprodução redes sociais

 

Mel 

“Desde a mais remota Antiguidade, o mel esteve sempre ligado à história dos homens, e à dos deuses também.(…) No Egito, era usado para embalsamar mortos ilustres. E, na Palestina, simbolizava fartura. ‘Terra de trigo e cevada, de vinhas, figueiras e romãzeiras, terras de oliveira, de azeite e de mel’ (Dt 8,8) (…) Canaã, a Terra Prometida, seria essa ‘terra que mana leite e mel’ (Nm 14,8).” 
 

Sal

“Nenhum alimento carrega mais simbolismo do que o sal. É assim desde as mais antigas civilizações. E também na Bíblia. O recém-nascido é purificado com ele. ‘Por ocasião do teu nascimento, ao vires ao mundo, não cortaram teu cordão umbilical, não foste lavada para tua purificação, não foste esfregada com sal’ (Ez 14,4). É sinal de sabedoria, “a vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal (Cl 4,6). E de amor ao próximo, ‘o sal é bom (…) Tende sal em vós mesmos e vivei em paz uns com os outros’ (Mc 9,50).”
 

Leite e derivados

“Na Bíblia, há numerosas referências ao leite. Talvez por conta da escassez de água e de sua má qualidade, nas terras áridas ou semiáridas da Palestina (e seu entorno), era usado, por muitas vezes, apenas para matar a sede. ‘Comerão teus frutos e beberão teu leite’ (Ez 25, 4). A escolha, nos primeiros tempos, dependia menos do gosto e mais do animal disponível no curral. (…) Derivados do leite – coalhada, manteiga, queijo – são, também, referidos na Bíblia. É que o leite, àquele tempo, frequentemente talhava, sem que se compreendesse a razão”.
 

Água

“No início do Gênesis, ‘um sopro de Deus agitava a superfície das águas’ (Gn 1, 2). Ele disse: ‘Haja um firmamento no meio das águas e que ele separe as águas das águas’ (Gn 1,6), e que as ‘águas que estão sob o céu se reúnam num só lugar e que apareça o continente’ (Gn 1,9). Deus, depois, ‘chamou ao continente terra e à massa das águas, mares’ (Gn 1,10). (…) Em muitas passagens da Bíblia, se vê a importância da água. Moisés foi retirado dos ‘juncos, à beira do Rio’ (Ex 2,3).”
 

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