O uso do preto, a dor que chega a ser física, todos os hábitos que se perdem, a necessidade de reaprender a viver, a exigência de continuar sem saber como. Entre símbolos e sensações, o luto é um estado real e dolorido pelo qual todos devem passar, mas dificilmente há uma preparação ou mesmo se fala nisso.
Muitas vezes, principalmente quando alguém famoso morre, as pessoas costumam expor que estão “de luto” e o representam com a cor preta em imagens. O sentimento de luto, porém, vai muito além dos símbolos representativos.
A sua mais conhecida forma é relacionada à morte de pessoas próximas ou queridas. O luto é isso também, mas é mais amplo. É aquele vazio relacionado à perda de alguém ou de algo. É também a mudança, o novo, o inesperado, aquilo deixado para trás quando modificações na vida ou na rotina acontecem. Pode ser sentido ao sair de um emprego, ao mudar de casa ou durante o fim de um relacionamento.
Em todas essas situações, ter fé pode ser determinante para o processo de “elaboração” do luto que, em outras palavras, significa conseguir seguir em frente. Segundo a psicóloga Julita Sena, que tem capacitação em morte e luto, e realiza pesquisa de doutorado sobre o assunto, ter fé é muito importante, pois de alguma forma auxilia, orienta, esclarece sobre a questão da perda.
“A gente vê que muitas pessoas na fase do luto, na verdade, se distanciam da fé pela dificuldade de compreender, pois procuram o porquê. ‘Por que eu perdi? Por que comigo? Por que essa pessoa?’. Vejo a fé e a religião como suportes que ajuda na organização das ideias no sentido de orientar, esclarecer sobre aspectos relacionados à vida e sobre a morte” .
(Julita Sena, psicóloga com capacitação em morte e luto)
Ao abordar o tema no livro 10 respostas que vão mudar sua vida (Editora Petra, 2016), Padre Reginaldo Manzotti explica como um cristão deve olhar para a morte. Segundo o Sacerdote, a vida é um dom de Deus, todos estão de passagem neste mundo e, como a qualquer momento pode ser preciso enfrentar a perda de alguém, é preciso valorizar a vida e enxergar a morte como uma oportunidade de encontrar a eternidade com Deus.
De acordo com a fé católica, a vida não é tirada, mas transformada. A Igreja traz a mensagem de que a morte é a passagem para a ressurreição. Apesar de o tema ser sempre evitado e tabu para muitas famílias, é possível pensá-lo como algo que faz parte da vida, como a única certeza, e que a morte não é o fim, mas o caminho para a morada que Jesus Cristo tem preparado.
Foto: Felipe Gusso/AEP
Durante a Jornada da Juventude de 2010, o Papa Bento XVI orientou jovens sobre morte e vida eterna da seguinte maneira: “Exorto-vos a não esquecerdes esta perspectiva no vosso projeto de vida: somos chamados à eternidade. Deus criou-nos para estarmos com Ele, para sempre. Ela ajudar-vos-á a dar um sentido pleno às vossas decisões e qualidade à vossa existência”.
Embora não seja considerado uma doença, o luto pode se manifestar de forma física no corpo. Provocar dores de cabeça, musculares e abdominais. As pessoas podem ter queda da imunidade, e por isso, ficarem mais pré-dispostas a outras doenças.
E, apesar das características, não pode ser considerado depressão, estresse ou ansiedade. Tem suas próprias reações e processos. Uma comparação que a psicóloga Sarah Vieira faz é que a sensação parece com um buraco negro no peito, que suga todas as suas energias e as canaliza para essa dor.
Por isso, muitas pessoas se isolam, ficam em um quarto escuro, sem tomar banho, sem se alimentar ou conseguir realizar suas atividades.
Há também quem viva o luto tardio. Normalmente, são os casos de pessoas que se recusam a viver a dor no momento ou tentam ignorá-la e, o que acontece, é que elas se manifestam depois provocando ainda mais males.
Às vezes, é possível nem saber de que se trata e, por isso, superar pode ser ainda mais complicado. É preciso entender que o luto é muito importante para ser renegado.
Segundo a psicóloga Julita Sena, falar sobre o tema e seus sentimentos é algo que auxilia e que os tabus em torno do assunto acabam atrapalhando e deixando-o mais obscuro. Por isso, ela deu algumas dicas de livros e filmes:
Padre Reginaldo Manzotti fala pela TV Evangelizar sobre como lidar com o luto a partir de textos bíblicos e a fé católica. “Quando um parente morrer, chore, meu filho, como se estivesse sentindo uma grande dor e cante canções tristes” Eclo 38,16.
Cada dor é única
No TEDx “10 coisas que aprendi com o luto”, a psicóloga Sarah Vieira, que pesquisa o tema há 18 anos, expõe aprendizados a partir de diversos pacientes que tem acompanhado e de seus estudos. Ela explica que muitas teorias tentam explicar o luto, mas a experiência de vivê-lo é única, pois cada um vive a dor a seu modo e é um produto também do ambiente, do lugar que se vive, da cultura.
De acordo com a psicóloga Sarah Vieira, há teorias de que o luto é feito de fases (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação), mas é preciso lembrar que não se trata de algo linear e que você supera uma e entra na outra sem possíveis recaídas. “Parece mais uma montanha-russa no escuro e, de repente, alguma coisa, minúscula, faz você lembrar daquela pessoa e você entra numa queda vertiginosa”, exemplifica a profissional.
Um cheiro, um som, uma roupa, uma palavra, uma data comemorativa. Você estava bem e basta entrar em contato com uma dessas coisas para a montanha-russa disparar sem você ter pedido para entrar.
Negação, raiva, barganha e aceitação são algumas das fases que costumam atribuir ao luto.
As fases do luto não são lineares e as chamadas “recaídas” são consideradas normais e até esperadas.
Qualquer lembrança pode despertar sentimentos.
É muito importante aceitar ajuda. O luto é real e dolorido.
Cada pessoa vive o seu luto de maneira única. O que pode ajudar uma pessoa não necessariamente ajuda outra.
É verdade que dificilmente alguém está preparado para perder quem ama. Mas é certo que não somos eternos. E quando o luto vira realidade, o que fazer? Cada um tem uma maneira de lidar e conviver com ele: lutando por uma causa, escrevendo sobre o assunto, cultivando um novo hábito, fazendo terapia, com trabalhando voluntário, realizando trabalhos na igreja.
Para todas essas possibilidades, uma base na fé e se aproximar cada vez mais de Deus são alternativas benéficas. Também é preciso respeitar o que cada indivíduo consegue fazer com a própria perda.
É impossível não sentir ou não sofrer com a ausência de alguém importante, mas é preciso aprender a ser feliz apesar disso, evitando a instalação de um sofrimento desordenado e duradouro com consequências negativas para a saúde, tanto do corpo, quanto da mente e do espírito.
No livro Combate Espiritual, Padre Reginaldo Manzotti escreveu que “superar a perda não significa esquecer aqueles que amamos e já partiram, pois o amor não termina com a morte. Eles não fazem mais parte da nossa vida terrena, mas continuam em nosso coração. A saudade e a lembrança devem ser cultivadas, já o sofrimento, não”.
O importante é vivenciar integralmente o luto e, assim, conseguir superar a perda e continuar a viver. Algumas dicas que podem ajudar no processo de superação:
Na hora da dor mais intensa, é difícil pensar que em algum momento ela vai passar, que a vida vai ter de novo sentido e, principalmente, que o enlutado verá de novo graça no dia a dia. Entre todas essas coisas, imaginar que pode existir algo benéfico no processo é muito difícil, mas é possível. “A morte ou a possibilidade de perder alguém que você ama é algo transformador. A vida passa a ter outro sabor, outras cores, outro sentido. Viver o dia. A gente tem o hoje”, explica a psicóloga Sarah Vieira. Ao rever valores, há muitos questionamentos como: “será que preciso de tanta coisa?”, “será que devo dar tanta importância a isso?”, “será que vale a pena não desculpar?”.
A jornalista e escritora Camila Goytacaz transformou a dor de perder o seu filho ainda bebê no livro “Até breve, José”. Ela realiza palestras e com esse trabalho busca ajudar outras mães que perderam seus filhos, além de destacar a importância da empatia e da rede de apoio e solidariedade para ela conseguisse seguir a vida, ter uma filha, participar de eventos, ajudar outras pessoas.
“A mensagem que quero deixar é: você vai ser feliz de novo, sem ele, e por ele. Eu sou feliz. Talvez eu seja até mais feliz, porque hoje eu sou mais conectada com a vida. Eu me sinto mais forte, mais corajosa. Sou uma mãe mais potente, estou mais acordada para vida. Celebro a vida e a esperança”, disse a jornalista no TEDx São Paulo cujo tema foi “Há beleza no luto”.
Em seu programa diário no rádio e na TV Evangelizar, o Padre Reginaldo Manzotti também abordou o tema sob esse aspecto. No vídeo “A vida é breve”, o Sacerdote falou sobre tragédias acontecidas no Brasil e a brevidade da vida. “O que temos é o hoje. Não por acaso, o hoje chama-se presente”, disse.
As pessoas que creem em Deus e em Jesus Cristo podem procurar o fortalecimento da fé e o contato cada vez maior, com orações, leituras, busca de conhecimento litúrgico, participação na Missa, grupos religiosos, etc. Quando mais se busca amadurecer sobre o tema, menos dolorido será passar pelo processo, principalmente à medida que a esperança na Ressureição passa a dar lugar à revolta e ao medo.
Como já explicou o Papa Francisco durante a Audiência Geral de 3 de abril de 2013, “é precisamente a Ressurreição que nos abre à maior esperança, porque abre nossa vida e a vida do mundo para o futuro eterno de Deus, para a felicidade plena, para a certeza de que o mal, o pecado e a morte podem ser derrotados. Isso leva a viver com maior confiança as realidades diárias, enfrentando-as com coragem e compromisso”.
Ainda nas palavras do Papa Francisco, ao ser questionado a respeito do porquê de as pessoas temerem a morte, ele responde que a morte é interpretada pelos seres humanos como uma ameaça, um desafio e que temê-la significa ter medo do aniquilamento total. Por isso, “somente aquele que tem fé na vida após a morte pode confiar” (Deus é Jovem, Papa Francisco, página 120).
Foto: Papa Francisco (Vatican News)
Nos primeiros dias da perda e até no primeiro mês, as pessoas que estão sofrendo costumam ter bastante gente ao redor e oferecendo ajuda. Com o passar do tempo, a volta da rotina “normal” e as pessoas seguindo suas vidas, geralmente, essa atenção costuma diminuir. Até mesmo alguns questionamentos podem acontecer e atrapalhar o processo, com frases como “está na hora de reagir”, “já passou do tempo de você melhorar” ou “foi melhor assim”.
Em sua palestra, Camila Goytacaz aconselha quem quer apoiar a dizer coisas mais simples, como um ‘eu sinto muito’. “Ofereça seu coração, seu gesto, sua presença. Esteja presente naquele período depois que todos se forem, e não apenas no momento crítico inicial. Se ofereça para ser a ajuda prática, que vai regar uma planta, resolver uma tarefa, cozinhas, cuidar. Dessa forma, quem está no luto pode, simplesmente, chorar (…) e depois, com o seu apoio, inclusive, tentar sair de casa, tirar o pijama, encarar a rua”, reforça Camila Goytacaz.
Outro comportamento que pode ser evitado é passar fórmulas prontas para as pessoas enlutadas, já que cada um tem a sua maneira e pode se frustrar por não estar vivendo da mesma forma da que é exposta por quem está tentando ajudar. Não impor métodos a alguém e nem buscar fórmulas de maquiar a tristeza daquela pessoa é indicado.
Foi uma oração atribuída a Santo Agostinho que fez a aposentada Eli Pashenda começar a viver de outra maneira o luto pelo marido, Rodolfo, falecido em 2012 devido a complicações de um câncer, e com quem tem dois filhos e viveu por 45 anos. “… A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado. Por que eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas? Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho…Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi”, diz a oração.
Com a oração, ela sentiu um impulso para continuar a vida da melhor maneira, fortalecer a fé e buscar novos trabalhos com a Pastoral da Família, da qual já fazia parte. Ao lado de colegas que também ficaram viúvos, ela faz parte do grupo de perdas e viuvez “Fica conosco, Senhor”. Eles buscam expandir o auxílio às pessoas enlutadas, realizam orações, leituras e outras ações de fortalecimento da fé.
Entre elas, o lançamento de um livro com textos de cada membro, que foi lançado em 2018. A obra “Perdas e Viuvez – Partilhando Vida” (Editora Paulinas) é dividida em 13 temas e aborda questões que podem ajudar quem está passando pela mesma situação. “Sem Deus a gente não vai a lugar bom nenhum. É comum, e falamos sobre isso no grupo de Perdas e Viuvez, a gente passar por uma fase de ter raiva de Deus, de achar que o que aconteceu não foi justo, mas quem se entrega a esse pensamento sofre muito mais”, alerta Eli.
Eli tem ressignificado diversos hábitos. Nunca tinha viajado sozinha e, com os encontros do grupo, conhecer novos lugares passou a ser algo importante. No fim de 2017, viajou com outros integrantes para a virada do ano em Montevidéu, no Uruguai. No lugar, se sentiu bem, em paz e cercada de pessoas que a compreendem. Mesmo assim, nem lá e em nenhuma parte do mundo, deixa de fazer as orações por Rodolfo, de falar o nome dele com amor e recomendá-lo à Nossa Senhora Aparecida.
“Hoje eu sinto muita saudade e orgulho por ter vivido a vida perto dela”, é assim que a administradora Maria Cristina Vieira fala sobre a irmã e sua grande amiga, que faleceu devido a um câncer. Um ano e dez meses depois, perdeu o filho, à época com 20 anos, de maneira trágica. “Estávamos comemorando o aniversário do filho de amiga, que estava completando 18 anos, e meu filho caiu da sacada.
Ela explica que essas feridas não cicatrizam, mas se aprende a conviver. “Chegou uma hora que a dor era tão grande que eu parei e falei ‘eu preciso fazer alguma coisa com isso. Nesse dia, eu estava tendo uma conversa com Deus e falei ‘eu preciso transformar essa dor em algo e eu consegui transformar em amor. Hoje eu participo de dois grupos e a fé é fundamental. A fé é a estrutura de tudo. Se não tiver, a gente não suporta. Essa que é a aceitação e a resignação”, explica Maria Cristina.
Assista ao vídeo completo, produzido pela TV Evangelizar, que tem também participação da psicóloga Paula Guedes sobre luto patológico – casos em que o luto dura mais tempo que o considerado natural e pode comprometer a pessoa de diversas maneiras.
Durante um programa Experiência de Deus, o Padre Reginaldo Manzotti atendeu ao telefonema de uma mulher de Camaragibe, Pernambuco, chamada Noeli. Emocionada, ela contou que estava passando por momentos de muita tempestade e achava até que seria castigo. Em menos de dois anos, perdeu a avó, o avô e, mais recentemente, a mãe. A jovem, que morava com os três membros da família, disse que se sentia sozinha e desesperada.
“Deus está tirando todo mundo de mim”, disse Noeli, chorando. “Deus não está tirando, filha. Faz parte da natureza. Há tempo de nascer e há tempo de morrer e a gente passa por essa terra por um breve momento. Você está vivendo o luto e é um momento terrível, não tem consolação. Agora eu garanto que Deus está do teu lado e Nossa Senhora. Agora você tem que entregar seus avós e a sua mãe e começar a pensar o que vai ser sua vida a partir de agora”, explicou o Sacerdote, que continuou falando sobre um processo de ressignificação, de repensar a vida.
Com o diálogo, o Padre falou sobre como antes ela precisava cuidar da mãe e dos avós e que estava chegando o momento de pensar nela, de focar em buscar um emprego e organizar a vida pessoal.
Disse-lhe Jesus:
“Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá;
e quem vive e crê em mim, não morrerá eternamente.
Você crê nisso?”
(João 11,25-27)
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