Ele projetou uma casa inteligente para lidar com a deficiência visual, é professor e se destaca em várias áreas

Ele projetou uma casa inteligente para lidar com a deficiência visual, é professor e se destaca em várias áreas Foto: arquivo pessoal

Imagine controlar sua casa com apenas alguns comandos de voz: ligar a airfryer, acionar o robô aspirador ou ajustar a iluminação. Para Lucas Cadmiel, professor pedagogo e pós-graduado em Educação Especial Inclusiva, esse é um projeto em constante evolução. Cego desde os 10 anos de idade, ele é um entusiasta da tecnologia e criou um lar que alia funcionalidade, autonomia e inovação.

Lucas projetou sua casa inteligente para ser um lugar muito especial, de independência e aconchego.

“Durante o dia, envio comandos pelo celular para que, ao chegar em casa, as roupas já estejam lavadas e secas, prontas para serem dobradas e guardadas. Nos fins de semana, costumo sair para encontrar amigos e família ou fico em casa tocando meus instrumentos musicais: cavaquinho, violão, guitarra e contrabaixo. Também assisto a vídeos sobre diversos assuntos, mas o que mais gosto é aviação. Além disso, ouço livros, organizo a casa e me dedico a assuntos de tecnologia e metodologias de ensino, que são parte do meu trabalho como professor”, compartilha.

Mesmo os desafios, como lidar com dispositivos incompatíveis ou a falta de acessibilidade em algumas plataformas, são encarados com criatividade e adaptação. Ele tem vários planos para novas adequações da casa para que fique cada vez mais funcional e com seu jeito. Essa paixão pela tecnologia também está presente em sua trajetória como educador: o que aprendeu é repassado.

Nascido em Palmas (PR) e criado em Curitiba, Lucas sempre teve uma relação próxima com o aprendizado. Filho de uma família com duas irmãs, encontrou na avó Maria Amalia um apoio fundamental durante sua infância. Foi ela quem o ensinou a encarar as adversidades com determinação. “Ela era tudo para mim”, conta.

Quando perdeu completamente a visão aos 10 anos, devido ao glaucoma, Lucas já estava familiarizado com o braille, aprendizado que ocorreu paralelamente à sua alfabetização convencional. Apesar das dificuldades impostas pelo desconhecimento das escolas em trabalhar com alunos com deficiência visual, ele encontrou caminhos para se desenvolver.

A escolha pela pedagogia veio de forma inesperada. Seu sonho inicial era atuar na área de tecnologia, mas, ao se deparar com barreiras de acessibilidade em cursos específicos, acabou direcionando seus esforços para a educação. “Talvez o propósito da minha vida fosse outro”, reflete. Após estágios e experiências no Instituto Paranaense de Cegos, onde hoje é professor, Lucas seguiu sua carreira como educador e ministra aulas de Orientação e Mobilidade, Informática Acessível, Braille, PEVI (Práticas Educacionais para uma Vida Independente) e Soroban.

No entanto, a tecnologia nunca deixou de ser uma parte essencial de sua vida. Ele acredita que o verdadeiro avanço está em combinar conhecimento técnico com práticas inclusivas.

“Para mim, é uma satisfação ter a tecnologia como minha aliada, pois minha independência me faz sentir mais completo. Consigo identificar e pagar as minhas contas e, entre outras coisas, basta utilizar a criatividade”, explica.

Foto: arquivo pessoal

A “bomba D”

Para o professor Lucas Cadmiel, a evolução da acessibilidade e inclusão para pessoas cegas nos últimos anos tem sido significativa e importante, especialmente com os avanços tecnológicos. Tecnologias assistivas, como leitores de tela, aplicativos de navegação e dispositivos inteligentes se tornaram mais acessíveis e eficazes. Isso permite que pessoas cegas tenham mais independência e participação na sociedade.

No entanto, ele aponta que ainda há muito a ser feito em termos de acessibilidade que envolve valores, atitudes e normas, uma vez que a discriminação, o desconhecimento e o desrespeito continuam sendo barreiras significativas.

“Como aprendi com um professor aposentado e amigo, o que mais destrói não é a bomba atômica, mas sim a ‘bomba D’ — o desconhecimento, a discriminação e o desrespeito. No mercado de trabalho, por exemplo, pessoas cegas ainda enfrentam grandes desafios. Embora tenhamos qualificação e capacidade, as oportunidades na iniciativa privada são escassas. Muitas empresas não nos dão a chance de provar que somos tão capazes quanto qualquer outra pessoa sem deficiência em um cargo correspondente a de formação acadêmica”, reflete o educador.

Teste da urna eletrônica de votação./Foto: Instituto Paranaense de Cegos

Além disso, ele acredita que a legislação sobre acessibilidade tem avançado, garantindo mais direitos e oportunidades. Porém, na prática, nem sempre é eficaz, e a conscientização sobre a importância da inclusão precisa ser ampliada.

“Outro ponto importante é a educação inclusiva, que tem melhorado ao longo dos anos, mas ainda precisa de mais investimentos e formação de professores para lidar adequadamente com alunos cegos”, aponta Lucas.

A verdadeira inclusão, como ele destaca, só será alcançada quando houver uma mudança cultural que elimine preconceitos e barreiras atitudinais. Embora seja um sonho para Lucas, precisa ser sempre perseguido coletivamente para que se torne realidade.

Quanto ao seu futuro, está nas melhores mãos.

“Acredito muito em Deus e, por isso, prefiro deixar a vida acontecer, mas me esforço para que as coisas que estão acontecendo em minha vida sejam únicas e satisfatórias. Tenho a intenção de fazer mais uma graduação ou algo do tipo, ainda não decidi em qual área. Quem sabe eu não tente novamente na área de tecnologia”, finaliza.

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