Muita gente acredita estar praticando a caridade, quando, na verdade, não está – mesmo que o seu gesto esteja fazendo o bem a outra pessoa. Como isso é possível? A gente explica.
Fazer o bem depende apenas do seu agir. Dar comida a quem tem fome. Entregar cobertor a quem tem frio e bebida a quem tem sede. A ação da pessoa, aqui, gera ao outro, necessitado, um bem, tratando-se de uma obra positiva. O gesto em si, entretanto, não pode ser chamado de uma obra de amor.
Quando você separa o alimento em sua despensa e as roupas em seu armário, qual é a sua motivação? Muitas pessoas, com esse gesto, pretendem só esvaziar seus guarda-roupas, entulhados de artigos comprados em momentos de compulsão de consumo. Ou estão apenas se desfazendo, com a doação, de objetos que, de outra forma, jogariam no lixo.
Também há os que, após entregar as roupas ao próximo, permaneçam apegados a elas, por vezes lamentando não ter mais aquele item. Esse ato também não foi verdadeiramente misericordioso, pois o sentimento envolvido no ato de caridade não pode ser o sacrifício.
Não há dúvidas de que todas essas pessoas podem ter praticado o bem ao entregar ao próximo parte do que possuem. A virtude da caridade, entretanto, como exercício da misericórdia, como bem nos diz o Padre Reginaldo Manzotti em seu livro “20 Passos para a Paz Interior” (Ed. Petra),
“significa ter compaixão e solidariedade para com a necessidade do outro. Não se trata apenas de dar esmola e sim de não ser indiferente à carência física, espiritual ou material da outra pessoa, buscando elevá-la à dignidade e à vida”.
No gesto benevolente com o próximo necessitado, a pessoa deve estar conectada ao amor pelo Senhor Jesus. A raiz da real caridade está, portanto, em Deus.
Assim nos ensinou também o Papa Francisco, por ocasião do Ângelus de 23/08/2020:
“A caridade cristã não é uma simples filantropia, mas por um lado, consiste em olhar para o outro com os próprios olhos de Jesus e, por outro, em ver Jesus no rosto do pobre. Este é o verdadeiro caminho da caridade cristã, com Jesus no centro, sempre”.
Também em 03/10/2019, em mensagem enviada à Assembleia Plenária do Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE), o Santo Papa abordou a caridade sob o mesmo viés. “A caridade para com o próximo nos estimula a nos reconhecermos como filhos de um único Pai, que nos criou e nos ama”.
A caridade, assim, não é o simples assistencialismo, nem o ato vazio de filantropia; ela é uma virtude, obra da misericórdia, que pede o comprometimento do amor, que se olhe de frente para o próximo, enxergando nele um irmão, digno de afeto e valor. É nesse amor a Deus que a pessoa caridosa encontrará o desejo verdadeiro de socorrer o outro, de garantir a sua dignidade, vendo nele a face de Jesus.
Trazemos, outra vez, as palavras do Papa Francisco, ditas em audiência aos membros da Caritas Internacional, por ocasião da sua XXI Assembleia Geral:
“Não se pode viver a Caridade sem ter relações interpessoais com os pobres: viver com os pobres e para os pobres. Os pobres não são números, mas pessoas. Porque vivendo com os pobres aprendemos a praticar a Caridade com o espírito de pobreza, aprendemos que a caridade é partilha. Na realidade, não somente a Caridade que não chega ao bolso resulta uma falsa caridade, mas a Caridade que não envolve o coração, a alma e todo o nosso ser é uma ideia de caridade ainda não realizada.”
Ainda que estejamos apenas entregando ao próximo o pão do dia, a veste emergencial e a bebida necessária apenas para matar a sede momentânea, precisamos manter no coração o desejo de igualdade a todos e promoção social dos empobrecidos, sempre fundado no amor a Deus.
Por isso, devemos estar atentos, como cristãos, como obras de misericórdia, que estamos entregando uma solução apenas imediata, capaz apenas de saciar o desespero da fome. “É urgente que avancemos em políticas sociais que atinjam a causa da fome, mas enquanto não chegamos ao ideal, exercitemos a partilha para aplacar o sofrimento real”, nos diz o Padre Reginaldo Manzotti em seu livro.
O amor de Deus, e só ele, possibilita esse encontro do divino na caridade humana. É a fé no Senhor ressuscitado que faz com que sejamos destemidos na caridade, e assim devemos nos manter: amorosos e misericordiosos ao praticar o bem.
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