Em uma cabana de palha, quase cego e tomado pela febre, São Francisco de Assis presenteou a humanidade com uma das mais belas orações já compostas: o Cântico das Criaturas. O que será que ele gostaria que o mundo entendesse com essa mensagem cheia de significados?
Vale lembrar que não foi na juventude nem em tempos de bonança que São Francisco escreveu seu mais famoso poema. Foi no outono de 1225, entre dores, doenças, estigmas e perseguições, isolado em São Damião, enfrentando a escuridão da quase cegueira e o incômodo dos ratos que invadiam o local. Onde muitos veriam apenas abandono, Francisco viu beleza. O sofrimento que poderia calar a fé ele a transformou em louvor.
Também conhecido como Cântico do Irmão Sol, é uma proclamação radical de irmandade universal com tudo o que existe. Francisco convida a olhar a criação com os olhos do encantamento, da reverência e da fraternidade.
O Cântico gira em torno de um único amor: o “mi Signore”, o “meu Senhor”. Esse pronome possessivo, repetido nove vezes no texto, mostra o laço íntimo e pessoal com Deus. Francisco não fala de um Senhor distante e abstrato: canta para um Pai próximo, fonte de toda vida, que se manifesta em cada raio de sol, cada gota d’água, cada sopro do vento.
Ao chamar o sol de “irmão”, a lua de “irmã”, a terra de “mãe” e até a morte de “irmã Morte” rompe paradigmas e faz repensar a posição de cada um no mundo: “não estamos acima das criaturas – estamos com elas”. E mais: devemos aprender com elas. O fogo, com seu vigor, ilumina. A água sacia e purifica. A terra, silenciosa, sustenta tudo.
Como disse Frei Marx Rodrigues dos Reis: “Esse Cântico vai além de uma irmandade entre humanos. Ele une a humanidade a tudo que existe e proclama a grandeza das criaturas no que elas são, não no interesse humano ou mercadológico. A poesia diz que a água, as estrelas, as ervas são, na sua essência, um louvor ao Criador”. (Revista Casa Comum, nº 10, 2024)
Pouco antes de sua morte, em 1226, Francisco adicionou duas estrofes ao Cântico. A penúltima – exaltando o perdão e a paz – foi composta para reconciliar o Bispo e o prefeito de Assis e evitar uma guerra civil. A última – acolhendo a morte – foi sua despedida serena do mundo.
É como um testamento espiritual, um novo “sermão” que Francisco queria que seus irmãos levassem ao mundo inteiro, “para conquistá-lo para o amor de Deus”.
Na visão franciscana, o mundo não é um recurso, mas um dom. São Francisco via as criaturas como portadoras de sentido e presença divina. Até as ervas daninhas tinham seu lugar. Esse olhar contemplativo e terno é um convite para um novo estilo de vida, como resume a espiritualidade franciscana contemporânea:
A Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, lançada em 2015, bebe da mesma fonte. Ao completar 10 anos em 2025, ecoa o mesmo apelo: “Cuidar da Casa Comum”. O Cântico das Criaturas foi sua inspiração direta.
Em 2025, celebramos os 800 anos do Cântico das Criaturas. Mais do que uma peça literária, o Cântico é uma convocação à reconciliação com a criação, com os irmãos e com Deus. Como viver com reverência, gratidão e ternura diante da vida? Como louvar com tudo o que somos, como fez São Francisco?
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