Religiosidade e cultura popular: a presença da fé, e de Nossa Senhora do Carmo, no Festival de Parintins

Religiosidade e cultura popular: a presença da fé, e de Nossa Senhora do Carmo, no Festival de Parintins Nossa Senhora do Carmo, Padroeira de Parintins (AM), em procissão./Foto: reprodução @parintinscatedral

Na Amazônia, assim como em diversas regiões brasileiras, a fé e a cultura popular não disputam espaço: caminham juntas. Um dos maiores exemplos dessa relação acontece todos os anos em Parintins (AM), durante o Festival Folclórico de Parintins, que movimenta a cidade com cores, ritmos, danças e união pela tradição do povo. Todos os anos também, antes das apresentações dos bois Garantido e Caprichoso, a imagem de Nossa Senhora do Carmo, padroeira da cidade, visita os barracões dos dois bois para abençoar os artistas e trabalhadores.

O gesto simboliza que a fé e a Mãe acompanham os fiéis em todos os espaços. Papa São João Paulo II escreveu, na Carta aos Artistas (1999), que a fé não deve se opor à arte, mas caminhar com ela: “A arte deve fazer perceptível, mais do que visível, o mundo do espírito, do invisível, de Deus”. A arte popular e a fé católica podem se entrelaçar de forma viva e respeitosa, como parte da identidade do povo.

Padre Benedito Teixeira, pároco da Catedral de Parintins, conversou com o IDe+ e explica como isso tem acontecido na cidade. Essa história é contada a seguir!

 

O Festival de Parintins

Integrantes do Boi Garantido recebem a bênção de Nossa Senhora do Carmo./Foto: reprodução @parintinscatedral

O Festival Folclórico de Parintins acontece todos os anos no final de junho e reúne milhares de pessoas no Bumbódromo, onde os bois-bumbás Garantido (vermelho) e Caprichoso (azul) apresentam grandiosos espetáculos. Cada apresentação mistura teatro, música, dança e alegorias monumentais, que valorizam a cultura amazônica e a resistência dos povos originários e ribeirinhos. É também uma maneira de contar a tradição local a todo país e ao mundo.

Mas, como lembra a jornalista Adriane Vasconcelos, nascida em Manaus e criada em Parintins, o festival vai além do espetáculo: “É a expressão viva da cultura amazônica, da nossa ancestralidade, da resistência do povo que mora aqui. Cada alegoria carrega história e luta”, compartilhou.

 

Como nasceu a visita da Padroeira?

Integrantes do Boi Caprichoso também são abençoados pela Padroeira./Foto: reprodução @parintinscatedral

A tradição de levar a imagem de Nossa Senhora do Carmo aos galpões dos bois começou no ano 2000. Padre Benedito Teixeira explica que a ideia nasceu diante de um desafio pastoral, na década de 90, quando o Festival já tinha crescido muito e a Festa da Padroeira recebia poucas pessoas, ficando ofuscada.

“Havia uma separação entre fé e cultura. Muita gente estava em crise, influenciada por discursos que acusavam nosso povo de idolatria. Dom Giuliano Frigeni e eu começamos a fazer um trabalho de resgatar a festa da Padroeira a partir de uma relação com a cultura”.

Diante disso, a Paróquia e a Diocese começaram a fazer peregrinações em Manaus, visitas a comunidades rurais e, finalmente, os galpões dos bois. Ir ao encontro da cultura era essencial para mostrar que a fé católica também é parte dessa identidade.

“Os diálogos abordaram questões culturais, antropológicas, teológicas e de religiosidade popular para ajudar o povo a entender a grandeza da fé, da fé em Deus e da presença de Nossa Senhora como um elo da ligação entre a fé e a cultura”, conta o Padre.

 

“É como receber a visita da mãe”

Foto: reprodução @parintinscatedral

A visita da imagem peregrina emociona a todos. Segundo o Padre, a chegada de Nossa Senhora é como se a mãe chegasse de surpresa à casa dos filhos. Eles sentem que Maria está preocupada com o trabalho, com a saúde e com o esforço que cada artista dedica ali.

“Foi essa a sensação que eu senti esse ano, por exemplo, lá no Caprichoso. Eu dizia que Nossa Senhora recebeu a missão de ser mãe e que a missão da mãe é cuidar dos filhos”.

Ele destaca que os galpões são locais de trabalhos que precisam de muita atenção e dedicação: “É gente soldando ferro, cortando isopor, costurando. É um ambiente exigente. O que mais pedem é proteção e a fé em Nossa Senhora do Carmo é muito forte”. A presença da imagem, que percorre os dois galpões, é um sinal de cuidado.

A relação entre o festival e a devoção à Padroeira continua em diversos momentos.

“Nossa Senhora é homenageada dentro da arena, nas alegorias, nas esculturas. Ela está presente nas celebrações, nas bênçãos, nos eventos, é uma presença constante”.

Ele também destaca o envolvimento dos artistas com a festa religiosa.

“Eles participam da procissão, ajudam a construir o andor, estão na romaria das águas. É um povo de fé, e isso nos alegra profundamente”.

 

Cultura e fé desde as origens

Foto: reprodução @parintinscatedral

O próprio surgimento do Festival de Parintins tem raízes religiosas.

“O primeiro festival foi uma quermesse para angariar fundos para construir a catedral. Os bois já existiam, brincavam nas ruas, mas foi a Igreja que organizou o primeiro evento oficial. Os dois bois são de promessa, nascidos de situações difíceis. A fé sempre esteve na origem de tudo isso”, contou o Padre.

Adriane Vasconcelos reforça essa relação. Ela lembra que “os artistas pintam as ruas por onde a procissão vai passar. É um clima de respeito e fé. Nosso povo mistura a religiosidade com a cultura de maneira natural. E os bois também são usados para denunciar as injustiças na Amazônia e para comunicar nossa cultura. Ambos os bois são símbolos importantes na luta pela preservação da Amazônia”.

Padre Benedito recorda o trabalho pastoral que é feito há mais de 20 anos e que procura seguir o que São João Paulo II ensinou .

“A gente entende que Jesus se encarnou no mundo e que a nossa fé, como dito por João Paulo II, deve conversar com a arte e a cultura. Então, com certeza não é um trabalho fácil, exige de nós estudo, sacrifício a cada ano, uma interpretação da realidade. Porém, a gente tem uma reflexão muito boa em cima disso e tenta esclarecer as pessoas por meio da fé e da razão, para que elas possam conviver com muita liberdade com essa manifestação cultural”, explica o Sacerdote.

Ele também cita com orgulho a presença do Irmão Miguel de Pascale, missionário italiano que ensinou gerações da região a pintar e a esculpir.

“O festival sempre deixa uma mensagem de muita esperança, um grito pela vida dos nossos povos. Temos que estudar, nos preparar, ter argumentos, ajudar o nosso povo a ler, a interpretar a realidade e a conviver com a cultura que tem. Que Deus abençoe nosso Brasil, tão rico e tão cheio de cultura. Que nós possamos realmente viver aquilo que Jesus mais pediu, a unidade, o amor verdadeiro entre nós, que a paz e a fraternidade estejam em tudo o que fizermos”, finaliza Padre Benedito.

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