Suicídio: vamos falar sobre isso?

Suicídio: vamos falar sobre isso?

Antes tabu, o debate sobre saúde mental torna-se cada vez mais presente e necessário, especialmente em tempos de pandemia. Dentro desse universo, há um tema ainda mais delicado: o suicídio. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas tiram a própria vida todos os anos, o equivalente a uma morte a cada 40 segundos.

O levantamento mais completo da OMS sobre o assunto traz dados de 2016. Naquele ano, o Brasil registrou 13.467 ocorrências, sendo a maioria (10.203) entre homens – tendência também observada em escala mundial.

A pesquisa mostra ainda que entre 2010 e 2016, a região das Américas foi a única a apresentar crescimento da taxa de suicídios. A alta foi de 6%. Em todo o mundo, o número de pessoas que tiram a própria vida supera o de mortes por doenças, guerras ou homicídios, representando “um sério problema de saúde pública global”, segundo a Organização.

Apenas 38 países apresentam estratégias preventivas contra o grave problema. Os desafios passam por aumentar o acesso ao atendimento e tratamento de situações relacionadas à saúde mental. Por isso, falar sobre o assunto é fundamental para sensibilizar as pessoas sobre como agir em momentos de risco e entender como o pior pode ser evitado para si e para o próximo.

O suicídio é um problema complexo e multicausal, ou seja, não tem uma única razão definida, mas é influenciado por uma combinação de fatores.

“As causas podem ser as mais variadas: aspectos internos, externos ou sociais. O que entendemos é que o suicídio é um sinal de intenso sofrimento psíquico, de cansaço, dor, angústia e falta de sentido de vida. O suicida não quer matar a si próprio, mas, sim, a dor interior. Quando não encontra mais alternativas para resolver a situação, se sente sem saída e o sofrimento se torna insuportável. Essa é a solução encontrada pelo sujeito para excluir esse sofrimento”, explica a psicóloga Paula Leverone.

Paula Leverone, psicóloga

De acordo com a profissional, não existe um manual a ser seguido para identificar quando alguém enfrenta pensamentos suicidas, mas a pessoa pode apresentar sinais de que algo não vai bem e precisa de ajuda, tais como:

 

Outros pontos que podem representar vulnerabilidades e agravar a situação são:

  • A perda de um emprego.
  • Dificuldades financeiras.
  • Discriminação.
  • Agressões psicológicas/físicas.
  • Burnout.
  • Conflitos familiares.
  • Perda de um ente querido.
  • Doenças crônicas/incapacitantes.

Quando alguém expressar sinais de alerta, é imprescindível procurar ajuda profissional – a maioria das pessoas que se suicida tem algum distúrbio ou transtorno mental e poderia ter sido tratada.

Na Bíblia, encontramos algumas referências sobre suicídio, sendo a morte de Judas a mais conhecida. Depois de ter traído Jesus, em vez de pedir perdão ele decidiu se enforcar (cf. Mt 27,3-5). Na perspectiva cristã católica, o ato de tirar a própria vida fere os desígnios de Deus, indo contra o Quinto Mandamento – “Não Matarás”.

“O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a própria vida. Ofende igualmente o amor do próximo, porque rompe injustamente os vínculos de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, às quais nos ligam muitas obrigações. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo”, diz o parágrafo 2281 do Catecismo da Igreja Católica.

Atualmente, padres e instituições religiosas entendem que há necessidade de falar sobre o suicídio de modo cauteloso, recomendando o auxílio de profissionais e acolhendo quem precisa. O Papa Francisco costuma demonstrar preocupação acerca do assunto, principalmente em relação aos jovens.

O suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no mundo, atrás apenas de acidentes de trânsito. Para o Pontífice, um dos motivos é a falta de perspectiva de pessoas dessa faixa etária, que muitas vezes se sentem “inúteis”. Leia aqui

Em entrevista dada em dezembro de 2018, o Papa afirmou: “O suicídio seria como fechar a porta à salvação”. Leia aqui

O discurso de acolhimento na visão católica encontra reforço em passagens bíblicas que falam sobre como momentos de angústia e tristeza podem ser passageiros:

“Somos atribulados por todos os lados, mas não desanimamos; somos postos em extrema dificuldade, mas não somos vencidos por nenhum obstáculo; Somos perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados”. (2Coríntios 4,8)

No livro Combate Espiritual no Dia a Dia (editora Petra), o padre Reginaldo Manzotti fala sobre a importância da fé para entender que o sofrimento não dura para sempre.

“’Tudo o que nasceu de Deus vence o mundo. E esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé’ (1Jo 5,4-5). Deus não se esquece de ninguém” (Combate Espiritual no Dia a Dia, página 136).

Outro ponto do livro diz respeito ao cultivo de memórias afetivas positivas e como elas também ajudam a enfrentar períodos difíceis da vida. Em lives com o Padre Reginaldo Manzotti, há depoimentos de pessoas que enfrentaram momentos de tristeza e chegaram a pensar ou tentar o suicídio, mas conseguiram superar, vencer ou equilibrar os problemas, com auxílio espiritual, profissional e, muitas vezes, também familiar.

É fundamental ouvir, respeitar e validar a dor de quem pensa em suicídio sem fazer julgamentos. Compreender o sofrimento, reconstruir significados e devolver um sentido de vida são as missões dos profissionais que trabalham com essa situação.

“Após a tentativa de suicídio, o acolhimento é feito por um profissional com escuta qualificada (para promover o alívio psíquico), onde não há qualquer tipo de julgamento moral. São recebidas as informações sobre o que levou a pessoa a cometer o ato contra si. O primeiro contato é para a redução de danos, para rebaixar a situação estressora. Depois, é feita uma análise para reverter as ideações e pensamentos suicidas”, esclarece o terapeuta ocupacional Mário Miranda.

Mario Miranda, Terapeuta Ocupacional

Ele explica que o acompanhamento deve ser feito por uma equipe multidisciplinar com psiquiatra, psicólogo e terapeuta ocupacional. “É feito um estudo sobre a causa, o efeito e o gatilho daquela situação. Há variações, como problemas de autoestima, cunho social, afetivo e/ou financeiro. Por isso, o plano de tratamento é individualizado”.

Os especialistas são muito claros em relação ao que não se deve falar para pessoas com ideações suicidas: não julgar ou criticar. É importante evitar frases como:

“Não fala besteira”.

“Você tem que se esforçar um pouco, tem que ser forte…”.

“Você não tem motivo para isso”.

“Isso é frescura”.

Dizer essas coisas pode piorar e silenciar a dor das pessoas afetadas, diminuindo as possibilidades de comunicação, ajuda e melhora.

O julgamento em casos de suicídio interfere ainda na vida de pessoas que perderam alguém próximo dessa forma repentina e violenta. Comentários e críticas com juízo de valor somam camadas de dor ao luto dos afetados.

“Chamamos de luto não reconhecido quando não há espaço, validação e autorização social para viver o luto. No luto por suicídio essa não-validação é muito comum e gera sentimentos de angústia, dor, tristeza, culpa, desamparo e vergonha para o enlutado. Essas pessoas encontram menos possibilidades de ritualizar e expressar seu luto e passam por processos mais solitários e silenciosos”, reforça Paula Leverone, que também possui treinamento e experiência em “Perdas e Luto”. Tudo isso pode trazer consequências para a saúde mental da pessoa enlutada.

Hoje, a nossa casa representa um lugar de proteção diante da pandemia de Covid-19. No entanto, o distanciamento físico e o medo de lidar com a doença têm afetado a saúde mental de pessoas em todo o mundo.

Segundo pesquisa do Instituto Ipsos, divulgada em abril, 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou um pouco ou muito no último ano. Esse número só é maior em quatro países: Itália (54%), Hungria (56%), Chile (56%) e Turquia (61%). Há relatos de aumento nos sintomas de depressão e ansiedade. Então, o que fazer para se sentir melhor nesse momento de crise?

Mesmo dentro de casa é possível tomar atitudes para fortalecer o bem-estar, como se cercar de atividades de lazer, resgatar memórias familiares e experimentar algo novo (exercícios, pintura, costura, etc), além de buscar alternativas e manter o contato com as pessoas próximas.

“É importante também evitar coisas que contaminem a mente: conteúdo pesado ou negativo em excesso, muita informação sobre o que está acontecendo, ruídos e experiências que machucam (violência, negativismo, exageros). Filtrar as informações seguras é um bom caminho: buscar fontes confiáveis, referências, conversar com quem sabe o que está falando, informações oficiais, precisas e objetivas”, recomenda a psicóloga.

Essas ações diminuem o estado constante de alerta que estamos vivendo e devolve o senso de controle. Outras ações também podem ajudar:

  • Evitar o excesso de estimulantes: café (cafeína), energético, pré-treino, etc.
  • Manter cuidados básicos: comer, se hidratar, tomar banho, dormir, fazer exercício.
  • Desacelerar: relaxamento antes de dormir, desconectar, tomar sol, atividades de lazer.
  • Fazer pausas durante o trabalho: levantar, caminhar, sair da frente da tela.

Centros de pesquisas em todo o mundo – inclusive no Brasil – têm estudado e encontrado evidências que indicam que expressões da espiritualidade (não necessariamente religiosas) têm impacto significativo na saúde e no bem-estar das pessoas, podendo reduzir níveis de mortalidade, depressão, suicídio, entre outros. Orações, manifestações de gratidão, resiliência e meditação são exemplos de práticas espirituais.

No Brasil, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) publicou, em 2019, a atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular, trazendo o tópico sobre Espiritualidades e Fatores Psicossociais. O documento aponta, por exemplo, que depressão, ansiedade e emoções negativas podem agravar doenças cardiovasculares. O conceito defendido pela SBC é que “espiritualidade é um conjunto de valores morais, mentais e emocionais que norteiam pensamentos, comportamentos e atitudes nas circunstâncias da vida de relacionamento inter e intrapessoal”.

“Do ponto de vista emocional, a comunhão religiosa traz melhor psicologia positiva e apoio social, bem como o enfrentamento espiritual positivo, e pode proporcionar mais esperança, perdão, conforto, amor e outros benefícios”. (Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2019. Página 837)


Caso sinta que precisa de ajuda, não deixe de comunicar aos amigos e familiares e buscar alternativas de apoio.

Todos podem auxiliar pessoas que estejam passando por um momento de angústia com um diálogo compreensivo e empático. Se você perceber que o indivíduo não se sente à vontade, reforce que estará disponível para conversar em outras oportunidades. Também é possível ajudar se oferecendo para marcar a consulta com um profissional de saúde.

Outra recomendação é procurar ou indicar os serviços oferecidos pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, por telefone (188), e-mail ou chat (www.cvv.org.br).

O serviço está disponível 24 horas todos os dias. O anonimato de quem procura atendimento é garantido, bem como o sigilo de tudo o que for falado durante a ligação.

Como cristãos, ainda que a pessoa não dê espaço e nem saiba, é muito importante fazer orações por ela e não perder a fé que a cura para aquele sofrimento acontecerá.

“Tu és o meu abrigo e o meu escudo;e na tua palavra depositei a minha esperança”. (Salmos 119,114)

 


Procure ajuda

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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