Por Tatyana Casarino
A alma tem muitas moradas,
mas uma única flecha de fogo
é capaz de penetrar o coração.
Senhor, deixe-me ser tua bem-amada.
Bem-aventurados os que choram,
pois eles serão consolados.
As feridas da Tua Justiça, Senhor,
são as minhas graças de amor.
A mente não alcança o céu,
mas o coração voa até o paraíso.
As chagas do Senhor são como mel:
dores que precedem doces sorrisos.
Agora tudo é revelado à alma,
incluindo a causa da angústia.
A angústia é a dor do coração
quando se separa da divina redenção.
Estive longe de Ti, Senhor,
em moradas superficiais da alma.
Mas, agora penetro mais fundo em mim,
sentindo a glória que vem de Ti.
Quando não estamos em comunhão,
quando não nos casamos com o Cristo interno,
o diabo lança os seus loucos redemoinhos
e somos como engaiolados passarinhos.
O nosso Deus não é o da confusão,
nosso Deus é o da ordem e o da clareza:
Ele é a suave intuição daquela beleza
que traz paz dentro do nosso coração.
O diabo, por sua vez, ama a confusão.
Ele é aquele que lança maus pensamentos,
turva a visão e angustia o coração.
Atentemos, pois, aos nossos sentimentos.
Poderíamos dizer que a paz é divina
e a angústia uma louca usurpadora.
O paraíso dos homens é a paz no coração,
como afirmava sabiamente Platão.
Mas, existe uma dor que é boa
e não causa temor nem confusão.
Essa dor que vem do Altíssimo
é uma flecha de fogo ao coração.
A dor da verdade é reta e clara,
a verdade dói, queima e purifica.
As dores que vem retas são do Senhor,
pois as boas dores nos santificam.
Enquanto o diabo, com o seu tridente,
lança perturbações que giram em círculos,
retas flechas caem do Deus onipotente
que lança dores de luz ao caminho.
Como eu amo a dor da verdade, Senhor!
Como eu amo a luz da Tua Justiça!
Infelizmente, as pessoas fogem dessa dor
e preferem vendar os lindos olhos da Justiça.
Atinja-me com as tuas flechas de luz,
queima as minhas entranhas, Senhor!
Faça do meu coração o seu supremo lar
e ensina-me a intensamente a amar.
O fogo do Teu amor rasga a pele,
perfura o coração como uma flecha.
E, quando as minhas entranhas queimam,
suspiro profunda pela doce dor em festa.
Essa é a boa dor da flecha,
o fogo que vem do Altíssimo.
A transverberação é uma festa
que os anjos fazem no espírito.
Aproxima-te, oh! meu anjo, agora
e acerta em meu coração essa flecha.
Já chegou a minha doce e profunda hora
de penetrar nessa dor divina e terna.
É a flecha que penetra na alma?
Ou a alma que penetra na dor?
A fé é fogo que, como o amor,
arde sem se ver, oh! esplendor!
Inspiração da poesia
Essa poesia foi inspirada no fenômeno espiritual da transverberação, uma experiência mística onde a flecha de um anjo atravessa o coração de uma pessoa, causando-lhe grande ferida. A dor da transverberação é espiritual e corporal ao mesmo tempo, mas também é um êxtase onde a pessoa atinge um novo estado de consciência e fica “abrasada” no imenso amor de Deus.
A transverberação mais famosa da história da Igreja Católica é a de Santa Teresa D’Avila (1515-1582), a primeira mulher que se tornou Doutora da Igreja. Segundos os seus relatos, um anjo de face bela e reluzente apareceu diante dela com um dardo de ouro cuja ponta de ferro apresentava fogo. Ela sentiu o anjo perfurando o seu coração com o dardo diversas vezes ao mesmo tempo em que se sentia abrasada pelo imenso amor de Deus. O seu coração se expandia em amor e ela alcançou o ápice da sua santidade.
Essa poesia representa uma interpretação artística, filosófica e pessoal da poetisa acerca da transverberação que ocorreu com Santa Teresa. Tatyana buscou distinguir a dor má que vem do Inimigo e que causa confusão em nós da dor boa e clara que vem do Altíssimo para despertar a nossa santidade.
Tatyana Casarino
Advogada, especialista em Direito Constitucional, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritora e poetisa.
Deixe seu comentário sobre o que você achou do conteúdo.
Assine nossa newsletter, receba nossos conteúdos e fique por dentro
de todas as novidades.