Por Alice Lira Lima, com apoio de Joana Giacomassa e Karen Sailer
A estudante Vitória poderia ser qualquer jovem do Brasil. Com curiosidade, sonhos e dúvidas, ela descobre que a ciência não é um saber distante, feito apenas por especialistas em laboratórios. Na HQ Guardiões dos Polinizadores, a adolescente mostra como todos podem participar da produção de conhecimento científico, ajudar a preservar a natureza e aprender sobre ela.
A iniciativa é fruto de uma parceria entre o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos Inter e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução (INCT IN-TREE); os projetos de ciência cidadã Guardiões da Chapada e Guardiões dos Sertões; e professores e estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Essa ideia se soma às que buscam tornar a ciência acessível, lúdica e transformadora, com a arte e a educação em prol da conservação ambiental e da formação cidadã.
Até Vitória envolver os leitores na sua trajetória, um grupo reuniu seus conhecimentos, habilidades e “paixões” em um processo de cocriação que seguiu várias etapas, como contam a bióloga, agrônoma e doutora em ecologia Blandina Felipe Viana, que é coordenadora da Linha 1 (Coprodução e Engajamento Social em Iniciativas de Ciência Cidadã) do Instituto Nacional de Ciência Cidadã (INCC), coordenadora, cofundadora e membro da Rede Brasileira de Ciência Cidadã (RBCC); e o biólogo e divulgador científico Wendell Gaudêncio, roteirista do projeto.
Para que essa história em quadrinhos ganhasse vida, “paixões” de longa data foram resgatadas. Blandina, ou “Blande”, como é chamada, é leitora de quadrinhos desde a infância.
“Adulta, me apaixonei pelas graphic novels [tipo de publicação que combina elementos da literatura e da arte gráfica para contar uma história de forma sequencial]. Sempre quis trabalhar com essa linguagem, porque une texto e imagem e torna o aprendizado muito mais efetivo”, conta.
Wendell também cresceu com o gosto por esse universo. Suas primeiras leituras vinham da revista Sesinho, produção do Serviço Social da Indústria (Sesi) que já trazia conteúdos científicos para crianças.
“Eu cresci com o Sesinho. Sempre fui apaixonado por quadrinhos, nessa pegada de ciência. Depois vieram os super-heróis e a ficção científica”, lembra.
Para os dois, a oportunidade de utilizar os quadrinhos como recurso pedagógico surgiu em meio à pandemia, com o desafio de aproximar ciência e sociedade por meio da ciência cidadã.
Imagem: reprodução
Pesquisas e experiências pedagógicas já apontavam os quadrinhos como ferramentas eficazes para o ensino por tornarem a aprendizagem mais dinâmica, interdisciplinar e prazerosa, com incentivo ao pensamento crítico e à leitura.
“Existe possibilidade de várias aplicações práticas. O professor pode, por exemplo, tentar produzir, trazer fatos históricos, fazer releitura de temas, narrativas textuais e trabalhar a construção com os alunos em sala de aula”, explica Blande.
A pesquisadora explica que a pandemia de Covid-19 reforçou a urgência de novas linguagens para comunicar ciência. Em meio ao negacionismo e à desinformação, surgiu então a ideia de produzir uma HQ que tratasse dos polinizadores e da própria natureza da ciência e da importância da cidadania científica.
Transformar a ideia em prática exigiu pesquisa cuidadosa. A equipe utilizou o Modelo de Reconstrução Educacional (MRE) e princípios da design research, que se concentra em entender o comportamento e as necessidades das pessoas a fim de criar soluções de design, os quais envolvem ciclos de validação. A utilização do MRE foi uma proposta do Laboratório de Ensino de Biologia (LEBio), que faz parte da UEPB e é coordenado pela professora Roberta Smania-Marques.
O processo começou com o levantamento das concepções do público-alvo: estudantes do ensino médio. A partir daí, foram escolhidos os conceitos centrais da HQ: 14 sobre a natureza da ciência (como desconstruir a imagem do cientista inalcançável, geralmente de um homem branco de jaleco), conteúdos sobre ecologia de interações entre plantas e polinizadores e princípios da ciência cidadã.
“Quem quer comunicar para todo mundo acaba não comunicando para ninguém. Porque se eu vou falar com uma pessoa que tem uma formação no ensino superior, é uma linguagem. Se for para um aluno do ensino médio, é outra completamente diferente”, resume Wendell.
Outro cuidado foi o cenário regional. Como o projeto nasceu ligado à Chapada Diamantina, elementos locais foram inseridos para gerar identificação: paisagens, modos de falar e personagens. A pesquisadora e professora Paolla Almeida, que vive no local, ajudou a garantir a autenticidade cultural.
“Partimos do local para o universal. Embora os personagens sejam situados num contexto específico, a problemática é universal.”, explica Blandina.
Imagem: reprodução
A protagonista da HQ não é uma super-heroína clássica. Vitória é uma estudante que descobre a ciência na prática, questiona, erra, revê, aprende. A sua vivência procura quebrar estereótipos e lembrar que todos podem contribuir para a produção científica em um processo, claro, que também precisa ser conhecido e seguido.
“Todo mundo pode fazer ciência, mas não é qualquer coisa que é ciência. Queríamos mostrar o rigor e também a participação coletiva”, explica Blande.
Nas páginas, Vitória aprende a observar sinais das plantas que atraem polinizadores, entende que hipóteses precisam de evidências e descobre que ser cientista não é ser “famoso”, mas participar de uma comunidade que constrói conhecimento com método e ética em uma vida real.
As ilustrações de Felipe de Oliveira dão vida a esse processo e o glossário ilustrado complementa os conceitos que não cabiam nos balões de fala.
A HQ foi resultado de muitos encontros on-line, devido à pandemia. Primeiro, Wendell produziu um conto ilustrado, validado em oficinas com professores e estudantes da Chapada Diamantina. Depois, o material foi adaptado para o formato de quadrinhos com a colaboração de toda a equipe.
“Não basta ter a história. Cada página precisa ser pensada para emocionar, sem dar spoiler. Escrever conceitos científicos em balões pequenos é um desafio enorme: cada palavra conta”, diz Wendell.
Foi um ano e meio de produção, marcada por revisões, ajustes e “desapegos”. Os conteúdos que não cabiam na HQ foram transferidos para o glossário.
Imagem: reprodução
O retorno inicial tem sido muito positivo. Professores e estudantes se reconheceram nos personagens e no cenário. A HQ já está sendo usada como material didático e a segunda edição trará melhorias a partir dos primeiros feedbacks.
O próximo passo será a aplicação formal em escolas públicas de Ribeirão Preto (SP), em parceria com universidades, e também no estado de Sergipe. A equipe está desenvolvendo instrumentos de avaliação para medir se a HQ cumpre seus objetivos: despertar cidadania científica, ensinar conteúdos de ecologia e estimular atitudes pró-meio ambiente.
“Independentemente da avaliação formal, a HQ já é um recurso didático totalmente interdisciplinar. Pode ser usada em biologia, mas também em geografia, português ou outras áreas”, destaca Blande.“Foi um processo lindo. Nossa ideia era mostrar que a ciência não é inalcançável. Pode ser feita por todos nós”, conclui.
Fonte: Instituto Nacional de Ciência Cidadã
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