Curiosidades sobre a legítima defesa

Curiosidades sobre a legítima defesa

Muito embora seja um tema bastante comentado, as pessoas têm dúvidas acerca do que é a legítima defesa realmente. Neste artigo, vou informar quais são os elementos que autorizam a legítima defesa.

Qual é a definição pelo Direito?

A legítima defesa é uma “excludente de ilicitude” para o Direito Penal, ou seja, ela exclui o caráter criminoso de uma conduta por causa das circunstâncias excepcionais do caso que autorizaram o indivíduo a agir de uma forma mais agressiva para salvar os próprios direitos, especialmente o direito à vida.

Sendo assim, uma conduta que, originalmente, seria um crime (matar alguém, por exemplo) deixa de ser ilícita e passa a ser permitida por ter sido necessária para impedir a agressão injusta iniciada por outra pessoa. O fato praticado em legítima defesa é lícito, pois não configura crime.

A legítima defesa está prevista como uma causa de exclusão de ilicitude no inciso II do artigo 23 do Código Penal.

Código Penal

Exclusão de ilicitude       

Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:

[…]

II – em legítima defesa

[…]

O conceito da legítima defesa, por sua vez, está previsto dentro do artigo 25 do Código Penal.

Código Penal

Legítima defesa

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.     

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Curiosidades sobre os requisitos da legítima defesa

Para ser possível a alegação da legítima defesa, é necessário observar a presença de cinco requisitos reunidos no mesmo caso: agressão injusta; agressão atual ou iminente; proteção de direito próprio ou alheio; reação com os meios necessários; e uso moderado dos meios necessários.

1. Agressão injusta

Se um inocente é atacado de forma injustificável, estamos diante de uma agressão injusta no âmbito jurídico. Toda aquela agressão que a pessoa não é obrigada a suportar é considerada injusta.

O ordenamento jurídico não pode obrigar uma pessoa a sacrificar a própria vida num contexto de violência e injustiça, porque esse sacrifício não estaria de acordo com os princípios da justiça, da solidariedade e da dignidade humana.

A inviolabilidade do direito à vida é um direito fundamental previsto na Constituição Federal (artigo quinto da Constituição). Desse modo, ninguém poderá ser obrigado a sacrificar a própria vida, já que defender a vida diante de um agressor injusto é um direito do cidadão. Se um indivíduo agride o outro injustamente, ele deve estar consciente da possibilidade do outro usar os meios necessário para se defender.

Além disso, a Constituição garante que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo quinto, inciso II, da Constituição Federal). Se a lei não obriga qualquer conduta de sacrifício ou constrangimento diante de uma situação injusta, o indivíduo é livre para evitar que os seus direitos sejam destruídos pela agressão de alguém.

2. Agressão atual ou iminente

O medo antecipado de que uma agressão poderá ocorrer no futuro distante e o desejo de vingança diante de uma agressão que aconteceu no passado não permitem a configuração da legítima defesa. Somente a necessidade da defesa urgente do direito ameaçado durante uma agressão vivenciada no momento presente permite a alegação da legítima defesa. Por essa razão, a agressão injusta e repelida precisa ser atual.

O ordenamento jurídico não permite a vingança. Sendo assim, não pode passar muito tempo entre a agressão injusta e a atitude defensiva. A intenção da pessoa deve ser a defesa dos próprios direitos num momento urgente e não a vingança. A legítima defesa está vinculada à resposta natural do ser humano diante de situações de ameaça ou perigo e não tem nada a ver com qualquer vingança planejada.

Para a comprovação da legítima defesa, será analisado se a pessoa respondeu ao ataque no momento certo, ou seja, no momento que estava acontecendo a agressão injusta da outra pessoa. Agressão atual é a agressão presente. Exemplo: a vítima, ao ser atacada por um indivíduo agressivo e armado, resolve defender a própria vida naquele momento.

A exigência de uma resposta imediata à agressão atual não significa que a pessoa inocente deve esperar o primeiro golpe ou ser machucada para se defender. É possível se defender de uma agressão que está prestes a acontecer.

Quando a agressão tem forte possibilidade de ser concretizada ou está a ponto de acontecer, estamos diante de uma agressão iminente que autoriza a resposta defensiva e a legítima defesa. Exemplo: o agressor anuncia à vítima a intenção de matá-la enquanto caminha de forma ameaçadora com uma arma em uma das mãos. Antes de sofrer algum dano, a pessoa resolve se defender imediatamente.

3. Proteção de direito próprio ou alheio

Você sabia que é possível alegar legítima defesa por ter defendido alguém? A legítima defesa não serve somente para proteger os seus próprios direitos, mas também para salvar os direitos de outro indivíduo inocente.

O ordenamento jurídico incentiva o princípio da solidariedade, o qual deve guiar as ações entre os indivíduos. Nesse sentido, o Código Penal admite a legítima defesa dos direitos das outras pessoas.

Portanto, se uma mãe agiu para defender a vida de um filho, por exemplo, a sua atitude também será considerada legítima defesa. Exemplo: Laura mata Paulo para defender a vida da sua filha Luana, a qual estava recebendo golpes do agressor (os nomes são fictícios e servem para esclarecer o assunto por meio de um exemplo). A conduta de Laura não receberá a classificação criminosa de homicídio, porque ela agiu em legítima defesa para proteger direito alheio.

A legítima defesa de terceiro vai além da possibilidade de matar o agressor para salvaguardar a vida do inocente. Os casos de legítima defesa também podem envolver direitos diferentes do direito à vida, como, por exemplo o direito à integridade física.

É possível até mesmo que alguém atinja a integridade física de uma pessoa para salvar a sua vida. Exemplo: José segurou Rosa para que ela não cometesse suicídio e, inevitavelmente, machucou os braços dela naquele momento. José não responderá pela agressão nem por lesão corporal, pois agiu para salvar a vida de Rosa (os nomes são fictícios e servem para ilustrar o exemplo).

Outro exemplo polêmico envolve a possibilidade de impedir que alguém morra por overdose. Exemplo: Maria percebeu que João se drogava compulsivamente. Ele não aceitou os conselhos dela para evitar a overdose, razão pela qual ela decide tomar uma atitude agressiva para impedir que ele consumisse mais droga e morresse. Maria não responderá por lesão corporal, pois tinha o intuito de preservar a vida de João (os nomes são fictícios e servem para demonstrar o exemplo). Logo, o advogado de Maria poderá alegar legítima defesa de terceiro.

4. Utilização dos meios necessários para repelir a injusta agressão

O meio necessário para repelir a injusta agressão é aquele que a pessoa agredida injustamente dispõe no momento da agressão e que seja capaz de neutralizar a situação e paralisar o ataque.

Sendo assim, é preciso escolher o método menos lesivo ao agressor, ou seja, o método de defesa suficiente para paralisar a agressão. Não é permitido ultrapassar os meios razoáveis para conter a agressão, pois o indivíduo não será totalmente inocentado pela legítima defesa se ele usar um método excessivamente agressivo na sua conduta ainda que tenha, supostamente, o objetivo de se defender. Se a pessoa ultrapassar os limites da legítima defesa, ela poderá responder pelo excesso da agressão.

Exemplo: Júlio ameaça Pedro com uma barra de ferro e, para se defender, Pedro reage com uma bomba (nomes fictícios para demonstrar um exemplo). Neste caso, o excesso de agressão demonstrado na reação pode afastar a legítima defesa, pois o meio foi desnecessário e desproporcional para efetuar a defesa.

  • Observação: é necessário analisar cada caso concreto, pois é possível alegar que o calor do momento da agressão impediu o cálculo mental dos meios necessários de forma totalmente equilibrada.

O meio necessário de defesa, desde que seja o único disponível ao indivíduo para lutar contra a agressão injusta e paralisar o agressor, pode ser desproporcional em relação ao ataque em alguns casos. Exemplo: Carla, ao ser atacada por um desconhecido que utilizava uma faca, usa uma arma de fogo para se defender (exemplo fictício para ilustrar a matéria). Ainda que a arma de fogo seja mais lesiva que a arma branca, Carla poderá alegar legítima defesa.

Contudo, se a pessoa tiver ao seu dispor diversos meios aptos a reprimir a injusta agressão, ela deverá optar pelo menos gravoso. O Direito respeita os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade até mesmo na legítima defesa.

5. Uso moderado dos meios necessários

Para a comprovação da medida moderada dos meios necessários de defesa, é apropriado determinar um marco do término do perigo oferecido pelo agressor. Esse marco é o momento em que o indivíduo consegue fazer cessar a agressão que era praticada contra ele. É possível que tudo o que a pessoa fizer depois desse marco seja considerado excesso e não tenha mais a permissão legal da legítima defesa.

É importante frisar o fato de que não existe número mínimo ou máximo de disparos para que se caracterize a Legítima Defesa. A conclusão jurídica sobre a caracterização da legítima defesa dependerá do que foi necessário para impedir a agressão ou paralisar o agressor no caso concreto.

O ato praticado em legítima defesa não é punível, mas toda atitude que ultrapassa a defesa necessária e demonstra excesso pode ser punível no nosso sistema jurídico (o excesso punível está previsto no parágrafo único do artigo 23 do Código Penal).

Exemplo: Carlos ameaça matar Cecília com uma arma em uma das mãos (nomes fictícios para a demonstração do exemplo). Para preservar a própria vida, Cecília atira contra Carlos. Após receber dois tiros, o agressor caiu e deixou de oferecer perigo para a vítima. Se ela, ainda assim, continuar disparando, responderá pelo excesso.

A legítima defesa é compatível com a doutrina católica?

Os católicos sabem o que a Escritura determina no quinto mandamento, assim como respeitam o que aparece no seguinte trecho da Bíblia (Êxodo 23,7): “não matarás o inocente e o justo, porque não absolverei o culpado”. O homicídio voluntário de um inocente é gravemente contrário às leis de Deus.

Ocorre que a legítima defesa é compatível com a doutrina católica, pois ela surge num momento de urgência para preservar a vida de um inocente diante do ato injusto de outra pessoa. Quando o quinto mandamento diz “não matar”, ele também ordena a preservação da vida na sua totalidade.

Isto significa que esse mandamento proíbe a destruição da própria vida, afastando a possibilidade do suicídio e de quaisquer sacrifícios desnecessários. Sendo assim, amar e preservar a própria vida é um dever moral tão importante quanto amar e respeitar a vida do próximo. Na legítima defesa, o amor pela própria vida ganha ainda mais valor moral.

Estudando o Catecismo da Igreja Católica, percebemos o quanto o amor pela própria vida possui relevância. Além do mais, assim como a moderação é importante para a configuração da legítima defesa no Código Penal, o Catecismo afirma que a aceitação da legítima defesa dependerá de uma justa e necessária proporção na hora de lutar contra a violência do outro.

Por fim, é importante apresentar o seguinte trecho do Catecismo:

2264 – O amor para consigo mesmo permanece um princípio fundamental de moralidade. E, portanto, legítimo fazer respeitar o seu próprio direito à vida. Quem defende a sua vida não é réu de homicídio, mesmo que se veja constrangido a desferir sobre o agressor um golpe mortal:

«Se, para nos defendermos, usarmos duma violência maior do que a necessária, isso será ilícito. Mas se repelirmos a violência com moderação, isso será lícito […]. E não é necessário à salvação que se deixe de praticar tal acto de defesa moderada para evitar a morte do outro: porque se está mais obrigado a velar pela própria vida do que pela alheia» (41).

Fontes:

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