O mundo intelectual combina com a fé? Esta é a pergunta que desafia muitos cientistas, artistas, filósofos, escritores e intelectuais do nosso tempo. Mesmo que a Igreja Católica defenda a união entre a fé e a razão, o mito de que a intelectualidade (científica, filosófica ou artística) não combina com a religiosidade ainda gera desunião e desinformação entre diversos grupos da sociedade.
Antes de defender a inserção da religiosidade na cultura, é importante ressaltar que a santidade pode ser vivida sem um foco intelectual. Para ter uma vida santa, não é preciso ter um diploma nem grandes talentos intelectuais. Muitos santos tiveram uma vida simples e alcançaram a sabedoria divina por meio do amor e da humildade do coração.
Santa Bernadette Soubirous, a vidente de Nossa Senhora de Lourdes, era analfabeta. Nascida em uma família camponesa da França no século XIX, a santa não teve a oportunidade de estudar e sabia pouco sobre o catecismo. Aos 14 anos, idade em que relatou as aparições da Virgem Maria, enfrentava as dificuldades de uma vida humilde e problemas de saúde. Ela é um exemplo de que a humildade é a virtude mais importante no momento de servir à comunidade cristã.
É importante esclarecer que a verdadeira sabedoria surge da experiência, da meditação e da contemplação e não do conhecimento fornecido pelos livros. Diversos santos não cultivavam interesses intelectuais, mas eram naturalmente sábios. A fé transcende o conhecimento, pois a graça de Deus prevalece sobre qualquer capacidade intelectual.
Embora a jornada da santidade não necessite de uma caminhada intelectual, muitos santos souberam extrair bons frutos da sua inteligência e da sua cultura para servir melhor a Deus e ao próximo.
Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Santo Ivo, Santa Teresa d’Ávila, Santa Teresa Benedita da Cruz, Santa Hildegarda de Bingen e São João Paulo II são alguns exemplos de santos que souberam unir a fé e o intelecto brilhante na construção de uma vida virtuosa e cristã.
A Igreja Católica foi pioneira na produção de conhecimento ao criar as universidades na Europa Cristã durante a Idade Média, entre os séculos XII e XIII. Lógica, Gramática, Retórica, Geometria, Astronomia, Música e Aritmética eram as principais disciplinas da Idade Média.
Durante séculos, o Catolicismo influenciou a ética, o conhecimento e as artes na cultura ocidental. Ocorre que a Modernidade, ao valorizar a razão e a ciência acima de tudo, rompeu com as outras fontes de sabedoria e gerou uma crise entre a fé e o intelecto.
No tempo atual, não observamos um vínculo claro e harmonioso entre a fé e o mundo intelectual ainda. O mito de que um cientista não poderia ter uma crença religiosa perdurou por muito tempo. Além disso, diversos filósofos deixaram de buscar respostas para as grandes questões existenciais e muitos artistas transformaram a arte em um instrumento de transgressão e até mesmo de ataque à religião.
O ataque aos valores tradicionais e religiosos já foi admirado na cultura, de forma equivocada, como o impulso de alguém “culto” e “visionário”. Felizmente, diversos grupos da sociedade têm deixado de admirar apenas o aspecto rebelde das pessoas criativas. Muitos conceitos estão sendo transformados, e o rompimento de paradigmas não é mais o único tópico enaltecido nos ambientes intelectuais.
Diante de uma sociedade tão fragmentada, caótica e repleta de mazelas (sociais e psíquicas), muitos indivíduos voltam a cultivar os valores da sua religião em busca de ordem e paz. As novas gerações estão cada vez mais interessadas no entendimento da fé, e várias pessoas sentem nostalgia diante da imponência das antigas catedrais num cenário que prega a desconstrução da beleza artística e dos valores religiosos.
Alguns cientistas estão começando a revelar a fé deles. Vários filósofos retornam às questões mais profundas da existência. E alguns arquitetos, artistas e escritores decidiram revelar a beleza da espiritualidade cristã em seus trabalhos. Assim, a fé e o mundo intelectual estão se aproximando de modo surpreendente.
As pessoas estão cansadas de conflitos sociais, tensões políticas e transgressões. Há um anseio por valores nobres no campo intelectual e artístico. Desse modo, a arte pode retornar ao seu sentido original: buscar a transcendência pela beleza e criatividade. Além das atividades criativas, a religiosidade pode inspirar diversos ambientes de estudos e pesquisas.
O intelectual verdadeiramente visionário não é aquele que ataca a fé, mas aquele que resgata os valores elevados dela no seu ambiente acadêmico. Muitos frutos bons podem surgir da união entre a fé e o intelecto. Quando a inteligência e a criatividade são usadas para o bem, é possível promover várias transformações sociais.
Um médico que estuda os benefícios da espiritualidade na saúde humana pode promover a qualidade de vida dos seus pacientes. Um advogado que tem consciência dos valores cristãos luta pela justiça com mais entusiasmo. Um cientista que respeita a fé desvenda os mistérios da existência com mais facilidade.
Um filósofo ganha profundidade ao respeitar a sabedoria dos religiosos. Um escritor pode ajudar um leitor a encontrar o sentido da vida ao colocar valores cristãos nas entrelinhas da sua obra. Um artista transforma o palco em um ambiente melhor quando expressa amor fraterno no lugar das suas frustrações.
A humanidade está sedenta por manifestações belas e nobres. Uma sociedade repleta de crises econômicas, conflitos políticos e dilemas existenciais não aplaude mais a transgressão, mas sonha com a ordem e com os valores religiosos outra vez.
Os indivíduos, perdidos em crises sociais e psicológicas (a ansiedade e o estresse sufocam a vida contemporânea), querem buscar o significado por trás da existência e almejam uma conexão com o sagrado no cotidiano. Nesse sentido, precisamos inserir elementos da religiosidade na cultura novamente.
A religião pode (e deve) estar nas manifestações e nos diálogos intelectuais e culturais do mundo. Em uma sociedade dominada pelas redes sociais e pela inteligência artificial, as pessoas que sabem combinar competência profissional, ética e valores religiosos nas suas pesquisas serão ainda mais necessárias em todos os ambientes. Em vez de serem desvalorizadas, essas pessoas serão aquelas que ajudarão a humanidade a não se perder no caos e na superficialidade tecnológica.
Em tempos de inteligência artificial, a inteligência humana precisará se unir à sabedoria da fé para ganhar destaque e relevância. Enquanto a tecnologia apresenta raciocínios lógicos e superficiais, o ser humano ficará responsável por um mundo intelectual mais ético e compassivo.
Diferentemente do que muitos indivíduos pensam, o estudo tradicional não perdeu o seu valor. Precisamos cada vez mais de bons livros, boas pesquisas, diplomas, especializações e profissionais competentes.
Muito embora seja importante separar as crenças pessoais de determinadas atividades para manter a imparcialidade e o profissionalismo, especialmente em situações complexas e delicadas, é possível construir pontes incríveis entre o ambiente intelectual e a religião na contemporaneidade.
O mundo intelectual combina com a fé e necessita dela para não se perder na frieza emocional, na desesperança e na arrogância. Para trilhar um caminho de santidade, nem sempre será necessário promover interesses intelectuais. Entretanto, todo aquele que possui dons intelectuais ou artísticos deve buscar aspirações nobres, bons valores e um caminho de santidade para não perder o rumo da sua vida pessoal e profissional.
De acordo com o pensamento do Papa João Paulo II, a fé e a razão não são inimigas, mas complementares. Enquanto a razão ilumina o intelecto, a fé conduz o ser humano aos mistérios mais profundos de Deus. Na Carta Encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão) de 1998, encontramos a seguinte frase de São João Paulo II: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade.”
Portanto, não devemos ter receio de construir mais pontes entre o mundo do intelecto e a chama da religiosidade. A inteligência não perde o seu alcance no universo intelectual, mas brilha ainda mais quando é tocada pela transcendência da fé.
Os cientistas, os artistas, os filósofos, os escritores e os intelectuais do nosso tempo não precisam mais fomentar conflitos contra a religião, mas acolher os seus valores mais preciosos. Com um forte vínculo entre a fé e o intelecto, podemos construir uma sociedade íntegra.
Se você é cristão e sente um chamado para demonstrar a sua fé através da criatividade, confira o meu artigo sobre o desenvolvimento dessa virtude: 5 dicas para fortalecer a virtude da criatividade
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