Por Alice Lima Supervisão: Maíra Gioia
Uma pesquisa realizada em parceria com a UFPR (Universidade Federal do Paraná) vai possibilitar que fenômenos climáticos extremos, como tempestades que causam enchentes, sejam previstos com mais antecedência. Isso será possível a partir de previsões do tempo mais assertivas e o maior conhecimento das frentes frias que atingem o hemisfério sul. É que de novembro de 2024 ao final de janeiro de 2025, a professora e doutora em Ciências da UFPR, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Variabilidade e Mudanças Climáticas (Nuvem) e do projeto Polar Connections do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), Camila Carpenedo, esteve a bordo do navio quebra-gelo russo Akademik Tryoshnikov, para a realização da 1ª Expedição Científica Internacional de Circum-navegação Antártica que, de forma inédita, contornou todo o continente antártico.
Rota de navegação da expedição. O navio contornou o continente e fez paradas em estações de pesquisa. Imagem: Divulgação/UFRGS
O navio partiu do Rio Grande do Sul no dia 22 de novembro com 61 pesquisadores do Brasil, Rússia, Chile, China, Índia, Peru e Argentina. A pesquisadora, em parceria com os cientistas Gonzalo Bertolotto (Universidade de Magalhães e Instituto Antártico Chileno), Cláudia Klose Parise (Universidade Federal do Maranhão) e Luis Felipe Mendonça (Universidade Federal da Bahia), foi responsável pelo lançamento de radiossondas atmosféricas para a análise da relação entre o gelo marinho e ciclones extratropicais, fenômenos meteorológicos que atingem a América do Sul.
A expedição é uma realização do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT da Criosfera) e do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), que são financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq). A pesquisa também conta com a colaboração de cientistas e equipamentos de diversas universidades do país, como a Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Alguns dos equipamentos foram cedidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Camila durante a expedição. Foto: Arquivo pessoal
Camila Carpenedo é gaúcha, da cidade de Porto Alegre. Ela conta que participar de uma expedição para a Antártida é um sonho de longa data presente desde os seus primeiros anos de graduação em Geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“Desde a escolha do meu curso, que foi justamente para trabalhar com isso […] no segundo ano da graduação eu já comecei a fazer iniciação científica […] meu sonho sempre foi ir para a Antártida”, afirma.
No verão de 2009 para 2010, ao final da graduação, a pesquisadora teve a chance de ir para a sonhada expedição. Porém, pouco antes da viagem, o Haiti foi atingido por um terremoto que demandou o redirecionamento de recursos para ajuda humanitária e a expedição foi cancelada. Agora, quase 15 anos depois, Camila teve a oportunidade de embarcar na pesquisa inédita que contornou o continente mais inóspito do planeta Terra. Já na rota de retorno da expedição, a pesquisadora compartilhou sobre a emoção de estar diante de lugares que ela estudou desde a faculdade e a importância da pesquisa realizada para compreender os efeitos das mudanças climáticas na Antártida e em outras regiões do mundo.
“Sem dúvida, nada minimiza o que foi viver essa experiência: todas as paisagens incríveis que vi, toda a experiência que adquiri com o lançamento das radiossondas, a noção de escala do planeta, todas as pessoas que tive a oportunidade de conhecer. São experiências, emoções e relações que vou levar para toda a vida”, relata Camila.
Durante a pesquisa, o navio deu a volta no polo sul e, portanto, passou por todos os fusos horários do mundo. Somado à mudança de horários quase diária, durante o verão antártico o sol não se põe no horizonte, proporcionando paisagens como essa às 23 horas da noite:
Foto do gelo marinho tirada às 23 horas, o sol não se põe devido ao fenômeno de verão no círculo polar antártico. Foto: Arquivo pessoal
A bordo do navio, as equipes de cientistas eram responsáveis por diferentes frentes de pesquisa, como coleta de gelo, coleta de vida microscópica e até mesmo amostras da água do mar. Já a equipe de meteorologia, formada por Camila e outros colegas do Brasil e Chile, tinha o objetivo de estudar a atmosfera da região. Para isso, os pesquisadores fizeram uso de radiossondas atmosféricas, que são sensores acoplados em balões meteorológicos para medição de dados sobre a temperatura do ar, umidade, velocidade do vento e pressão atmosférica. Durante o lançamento, os balões podem subir até 30 km de altura, por isso os cientistas dependem de um equipamento específico para fazer o resgate dos dados.
Equipe de meteorologia faz o lançamento de uma radiossonda. Foto: Anderson Astor e Marcelo Curia/ICCE
As informações coletadas analisam o comportamento da atmosfera e são utilizadas pela equipe para identificar a relação entre o gelo marinho e a passagem de frentes frias, que dão origem aos ciclones extratropicais: fenômenos climáticos extremos associados a chuvas intensas, ventos intensos, granizo e eventos de ressaca do mar. Durante a expedição, os pesquisadores atuaram como “caçadores de ciclones”, nas palavras de Camila, com o objetivo de fazer essas medições atmosféricas, antes, durante e depois da passagem de ciclones ou frentes frias.
“Conseguimos coletar dados para além do que havíamos planejado, conseguimos monitorar rios atmosféricos, frentes frias, e diferentes condições do oceano (com e sem gelo marinho)”, conta Camila.
A cientista da UFPR explica que, apesar de aparentemente distantes, as características atmosféricas da região antártica são responsáveis por diversos fenômenos climáticos no Brasil, como as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul no primeiro semestre de 2024.
Equipe de Meteorologia. Foto: Arquivo pessoal
Como consequência imediata das análises, o material oferece informações atualizadas sobre o perfil e as características da atmosfera no Oceano Austral, e supre a falta de dados nessa região, considerada uma das mais sensíveis do sistema climático global. Essas novas análises serão adicionadas a um modelo de previsão do tempo, o Weather Research and Forecasting Model (WRF, Modelo de pesquisa e previsão meteorológica, em tradução livre), para maior assertividade das previsões. Os parâmetros obtidos também serão utilizados para construir melhores representações da circulação e sistemas atmosféricos. Em relação ao objeto de pesquisa principal, os resultados obtidos buscam explicar as interações entre o gelo marinho e sistemas atmosféricos de grande escala, como frentes frias e ciclones, que contribuem para o regime de chuva na América do Sul. Camila explica que essa relação entre o gelo marinho e os sistemas atmosféricos já era conhecida, a diferença é que, agora, os dados coletados permitem estudar a fundo essa conexão, inclusive identificando o papel do gelo marinho antártico como componente importante para a previsão de tempo na América do Sul. Como consequência de previsões do tempo mais assertivas e o maior conhecimento das frentes frias que atingem o hemisfério sul, a cientista explica que será possível prever também fenômenos climáticos extremos, como tempestades que causam enchentes.
“Os resultados podem contribuir para a redução de perdas humanas, sociais, ambientais e econômicas, além de contribuir para a segurança alimentar, gestão de recursos hídricos e planejamento de infraestruturas, fortalecendo a resiliência do país frente à emergência climática”, explica Camila.
Navio quebra-gelo atravessando região com gelo marinho. Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal
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