“Então, Pedro, tomando a palavra, disse: na verdade, reconheço que Deus não faz acepção de pessoas; mas que lhe é aceitável aquele que, em qualquer nação, o teme e pratica o que é justo (Atos dos Apóstolos 10,34-35)”.
O Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial ocorre em 21 de março, acendendo a atenção de diversos setores civis e religiosos da sociedade. O racismo é uma palavra constrangedora que carrega diversas dores e significados relacionados ao preconceito sofrido por alguém diante da sua origem étnico-racial.
Segundo Papa Francisco, “o racismo é um vírus que se transforma facilmente e, em vez de desaparecer, se esconde, mas está sempre à espreita. As manifestações de racismo renovam em nós a vergonha, demonstrando que os progressos da sociedade não estão assegurados de uma vez por todas”.
Diferentemente do que muitas pessoas pensam, o racismo não significa apenas o preconceito baseado na cor da pele. As manifestações discriminatórias que utilizam como base as características étnicas, culturais, nacionais e religiosas podem ser consideradas manifestações racistas também no âmbito jurídico.
O preconceito sofrido pelas pessoas de origem asiática e pelos judeus ao longo da história, por exemplo, também é um tipo de racismo, assim como a discriminação contra os negros. Todo tipo de discriminação fere a dignidade da pessoa humana e prejudica a construção de uma sociedade pluralista e pacífica.
O objetivo principal da nossa Constituição Federal é a salvaguarda de uma sociedade pluralista, pacífica e tolerante. A República Federativa do Brasil valoriza a dignidade da pessoa humana como um dos seus principais fundamentos (artigo primeiro, inciso III, da CF).
Conforme o os estudos demonstrados pelo jurista Ingo Wolfgang Sarlet (citado no livro “O Cristianismo e a Constituição”), é possível considerar a dignidade da pessoa como a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração tanto pelo Estado quanto pela sociedade. Nesse sentido, a existência da dignidade invoca um complexo de direitos e deveres fundamentais, os quais protegerão a pessoa contra a ocorrência de todo e qualquer ato degradante e desumano.
O simples fato de uma pessoa existir como ser humano, independentemente da sua cor de pele, religião ou cultura, já é o suficiente para que ela seja respeitada e não sofra discriminações de qualquer tipo.
As teorias racistas já estão totalmente ultrapassadas, tendo em vista que a ciência já comprovou que não há raças distintas, mas apenas a espécie humana. Qualquer intuito de divisão de pessoas com base em uma teoria de “raça” seria um conceito pseudocientífico (falsamente científico) superado.
Todos nós somos seres humanos igualmente dignos, independentemente das nossas características físicas, culturais ou psicológicas. Entretanto, definir o que significa ser uma pessoa ou o que é a dignidade humana não é simples.
Apesar das nossas diferenças, carregamos a mesma origem por dentro. Muitos sábios já buscaram definições acerca da essência do ser humano ou da sua origem e não obtiveram respostas. Grandes pensadores procuraram definir o que é a dignidade da pessoa humana e não conseguiram conceitos concretos e exatos.
O Direito, por si só, não é capaz de definir a respeito da origem da vida, dos parâmetros morais e fundamentais da pessoa ou do livre desenvolvimento da personalidade. Outras áreas como a psicologia, a medicina, a literatura, a arte, a religião, a filosofia, a sociologia e a bioética seriam necessárias para elucidações mais profundas.
Depois dos estudos do autor Paulo Quissi e da obra “A dignidade e o Cristianismo”, muitos estudiosos do direito perceberam a influência positiva do cristianismo na formação dos nossos principais direitos e até mesmo no princípio da dignidade humana.
Muito embora as religiões recebam críticas de determinados juristas por alguns dos seus erros diante da perspectiva da história do Direito, elas também ajudaram o Direito a compreender o que é a dignidade da pessoa humana de forma mais profunda na construção dos direitos básicos que envolvem a integridade física, psíquica, moral e espiritual dos seres humanos.
É válido afirmar que uma das fontes da construção do princípio da dignidade humana (que passou a ser mais difundido depois da Segunda Guerra Mundial) advém do cristianismo. A valorização da vida, da liberdade, da igualdade, do respeito e da fraternidade foram os ensinamentos de Jesus Cristo que mais geraram impactos jurídicos ao longo da história.
Um dos princípios mais importantes divulgados por Jesus Cristo foi o de fraternidade, visto que a sua mensagem sobre “amar o próximo como a si mesmo” colocou o amor no centro da dignidade da vida humana. Esta mensagem de amor é incondicional, pois não é limitada por conceitos de raça, etnia ou cultura. O “próximo” é o ser humano que está ao meu lado, independentemente da cor da sua pele ou da sua personalidade.
É importante salientar que o apóstolo Paulo, principal agente da expansão do cristianismo no Império Romano, afirmou que não havia homem ou mulher, livre ou escravo, eis que todos são iguais perante Cristo. Esta convicção cristã causou grande expansão no conceito de igualdade (social e jurídica), ajudando a derrubar toda forma de discriminação.
Felizmente, temos leis internacionais e nacionais que protegem as pessoas contra o racismo, elevando a igualdade no ambiente jurídico. A nossa Constituição é clara no seu repúdio ao racismo. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais por vários princípios, incluindo o repúdio ao terrorismo e ao racismo (artigo quarto, inciso VIII, da CF).
Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo terceiro, inciso IV, da CF).
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, conforme o artigo quinto da Constituição Federal.
Ninguém pode violar os nossos direitos com base na nossa cor de pele, etnia, religião ou quaisquer outras características físicas e psicológicas, pois todos nós somos iguais perante a lei. No Brasil, a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (artigo quinto, inciso XLII, da CF).
Além da Constituição, a Lei Nº 7.716 combate toda forma de discriminação racial. Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. No meu próximo texto, abordarei o conteúdo desta lei.
QUISSI, Paulo. A dignidade e o Cristianismo. São Paulo: Clube de Autores, 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang apud VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Prefácio. In: ALTAFIN, Juarez. O Cristianismo e a Constituição. Uberlândia, MG: Del Rey, 2007.
Papa Francisco: o racismo é um vírus que ao invés de desaparecer, se esconde
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