Cientista fala sobre vacina da UFPR contra Covid-19

Cientista fala sobre vacina da UFPR contra Covid-19

Por Maria Fernanda Mileski, da Agência Escola de Comunicação Pública da UFPR
Edição por Chirlei Kohls

 

Cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) estão desenvolvendo uma vacina contra a Covid-19 que usa matéria-prima nacional, tem baixo custo e tecnologia que também poderá ser usada para combater outras doenças. Fruto de pesquisas realizadas com polímeros biodegradáveis (macromoléculas que se degradam pela ação de micro-organismos naturais) e partes de proteínas virais, o imunizante deve ter a fase pré-clínica encerrada até o final deste ano. A estimativa dos pesquisadores é de que em 2022, com a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sejam realizados os testes clínicos (em seres humanos). Somente após resultados positivos dos testes clínicos, a vacina poderá ser disponibilizada para a população brasileira.

A tecnologia usada na vacina envolve a produção de nanopartículas biodegradáveis (material muito pequeno que tem inúmeras aplicações e capacidade de entrar e desaparecer no organismo sem causar efeito colateral) associadas a partes específicas da proteína Spike, responsável pela entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas, para gerar defesas contra a Covid-19. A proteína S, principal alvo dos imunizantes já utilizados e em desenvolvimento, é produzida com o auxílio da bactéria Escherichia coli, em uma forma capaz de aderir à nanopartícula. Após induzir imunidade contra Covid-19, a nanopartícula desaparece sem causar efeitos colaterais.

A Vacina da UFPR é resultado da dedicação na pesquisa de professores do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, entre eles Emanuel Maltempi de Souza e Marcelo Müller dos Santos, alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, e o professor Breno Castello Branco Beirão, do Departamento de Patologia Básica.

Ela poderá ser usada por um longo período, salvando inúmeras vidas. Isso porque, a tecnologia empregada não funciona somente contra a Covid-19. A partir dessa pesquisa, outras vacinas para outras doenças poderão ser produzidas, como dengue, zika vírus e chikungunya. As variantes do coronavírus também poderão ser combatidas usando o mesmo processo.

O financiamento via Rede Vírus, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), além de recursos próprios da UFPR, permitiu o início do projeto. Agora, o financiamento da Superintendência de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (SETI) permitirá continuar com os testes pré-clínicos. Caso a vacina seja aprovada nos testes pré-clínicos, serão necessários outros investimentos para a realização das próximas etapas. Por isso, a UFPR lançou a campanha “Vacina UFPR”, que tem como objetivo receber doações de pessoas físicas e jurídicas para viabilizar o desenvolvimento da pesquisa na fase clínica.

No mês de agosto, a Vacina UFPR será o tema da ação Pergunte aos Cientistas, que aproxima a sociedade dos cientistas e da ciência produzida na Universidade Federal do Paraná, por meio das respostas às dúvidas enviadas pela população sobre assuntos relacionados ao novo coronavírus.

Em entrevista para a Agência Escola UFPR em parceria com o portal IDe+, o professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular e presidente da Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Covid-19 da UFPR, Emanuel Maltempi de Souza, que também é um dos responsáveis pela pesquisa da Vacina UFPR, explica a tecnologia por trás do imunizante, seus diferenciais e as etapas da pesquisa até que possa ser liberada para toda a população brasileira. Confira:

Maria Fernanda Mileski – Quais são os diferenciais da vacina desenvolvida pelos pesquisadores da UFPR?

Emanuel Maltempi de Souza – Nossa proposta original de estudo foi baseada no que está na literatura e em nossos resultados de mais de 20 anos de pesquisa na UFPR. De forma geral é essa ideia: produzir e moldar o bioplástico que estudamos há um tempo, na forma de nanopartículas, e recobri-las com a proteína viral produzida em bactéria. Essa partícula tem uma grande capacidade de estimular nosso sistema imunológico e produzir anticorpos contra o vírus. Deu certo e, quando injetamos no camundongo, tivemos uma resposta de produção de anticorpos muito forte, que superou bastante nossas expectativas. Desde o começo, pensamos em ter soluções que fossem ser imediatamente aplicadas aqui no Brasil. Esse plástico [biodegradável] é produzido no Brasil em grande quantidade, bem mais que suficiente para produzir a vacina e que oportuniza um custo mais baixo na produção. No segundo semestre, durante os testes pré-clínicos em animais, pretendemos demonstrar que o animal estará imunizado contra a Covid-19. Estamos correndo contra o tempo e contra algumas carências de infraestrutura que temos, buscando parcerias e recursos. No entanto, a expectativa é demonstrar que a vacina realmente funciona e que essas partículas não têm efeito colateral. Isso é essencial. Ou seja, fazer uma bateria enorme de testes toxicológicos para ter certeza que ela não vai provocar nenhum efeito colateral nos animais, já pensando nas fases clínicas de 2022.

Maria Fernanda – Explique, por favor, como é a tecnologia usada no desenvolvimento da vacina? E como funciona a ação no organismo?

Emanuel – Quando injetamos uma partícula no nosso organismo, nossas células a reconhecem como estranha. Quando uma bactéria ou um vírus entra, é uma partícula. As células vão capturar esse material e olhar o que tem nele. Um ou mais componentes são reconhecidos, em geral proteínas. As células têm capacidade de dizer se a proteína é própria do organismo ou não. Se concluem que não é, expõem essa proteína para outro tipo de célula de defesa. Temos dois tipos de resposta: a primeira é uma célula que vai reconhecer esse pedaço de proteína estranha e produzir anticorpos para ela. Os anticorpos vão inativar a proteína estranha, inclusive se o vírus entrar em uma próxima ocasião no organismo. Nós ainda temos células de memória, que não produzem anticorpos necessariamente, mas sabem que aquele tipo de proteína é estranha. Em outro momento que esse vírus entrar no corpo, as células de memória vão interagir com o vírus, reconhecer que ele tem aquele pedaço estranho e imediatamente atacar, o que estimula a produção de anticorpos baseado na memória anterior. Essa é uma imunidade mais a longo prazo. Nós queremos desenvolver os dois tipos de imunidade, para que nosso organismo fique resistente à Covid-19. Por isso as nanopartículas são importantes, pois é um material que dá o alarme para o nosso sistema de defesa. A vacina é uma forma de dizer para o corpo que aquela proteína é estranha e que, se ela for identificada, tem que ser combatida.

Maria Fernanda – Até o momento se fala em resultados animadores. Dessa forma, para entender um pouco o processo de desenvolvimento da vacina, qual o estágio atual da pesquisa? Quais são os resultados que possibilitam a perspectiva de uma vacina brasileira para 2022?

Emanuel – Nós estamos na fase pré-clínica. A próxima etapa é demonstrar que a vacina realmente imuniza e protege animais contra o desenvolvimento da Covid-19. Para fazer esses testes, nós precisamos trabalhar em laboratórios com alto nível de biossegurança, pois o Sars-Cov-2 [vírus que causa a Covid-19] é altamente infeccioso. O MCTI lançou um edital e a UFPR conseguiu aprovar uma proposta com recursos para iniciar o projeto. Nesse meio tempo, estabelecemos uma parceria com o Instituto Carlos Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz no Paraná, que possui um laboratório sendo certificado para pesquisa com animais que tenham Sars-Cov-2. Para complementação da fase pré-clínica, conseguimos a aprovação de um auxílio financeiro, cerca de um milhão de reais da SETI, do Governo do Estado do Paraná. Além disso, neste segundo semestre de 2021 queremos demonstrar que essa vacina não tem nenhum efeito adverso. Esse é um resultado que terá que ser apresentado para a Anvisa em algum momento, para começar a fase clínica. No entanto, esse é um teste que faremos depois que tivermos iniciado pelo menos, os ensaios em animais. Nós estamos vencendo as etapas burocráticas, estabelecendo parcerias e estruturando a equipe de pesquisadores. Todo esse processo vai permitir que possamos dar passos com segurança no desenvolvimento da vacina.

Maria Fernanda – E para 2022, quais são as etapas a serem realizadas pelos pesquisadores da UFPR?

Emanuel – Nossa ambição é em 2022 iniciar a fase clínica. Se tudo der certo, acho que conseguimos chegar ao final deste ano com boa parte dos resultados pré-clínicos concluídos. Ano que vem, estamos projetando pedir a autorização para a Anvisa para começar a nova etapa. É na fase clínica que se recruta voluntários, aplica a vacina e avalia se têm efeito adverso. Além disso, também analisa se o imunizante está realmente estimulando o sistema imune. Se tivermos sucesso, será preciso uma nova autorização para a fase clínica três, que pode ser mais demorada. É um processo que projetamos passar no ano que vem.

Maria Fernanda – A vacina tem uma característica promissora que é a sua multifuncionalidade. Pode explicar o que isso significa?

Emanuel – Multifuncionalidade é usar uma mesma plataforma para produzir vacinas contra diversas doenças, com modificações mínimas. No caso da Covid-19, ao invés de produzir a proteína S da variante usual e mais comum, produz-se a proteína S da variante específica. Isso pode ser feito muito rapidamente. Essa é uma característica da maioria das vacinas modernas, da Pfizer, AstraZeneca e Janssen. Isso não vale só para a Covid-19, mas para outras doenças também. Ou seja, as vacinas multifuncionais representam verdadeiras plataformas tecnológicas que permitem a produção de diversas vacinas em uma mesma fábrica. As vacinas baseadas em proteínas recombinantes também têm essa característica. É o caso da Vacina da UFPR, que mudamos a proteína antigênica muito rapidamente. Ou seja, para uma vacina ser multifuncional sua forma de produzir é basicamente a mesma, pois a produção da base, a nanopartícula, é a mesma. O que muda é a combinação com a proteína viral [as variantes do coronavírus poderão ser combatidas usando o processo].

Maria Fernanda – A Universidade recebeu recursos e temos também a campanha “Vacina UFPR”. Qual a importância do financiamento para o avanço da pesquisa?

Emanuel – É fundamental. Nós percebemos que, após os primeiros resultados, nós não sabíamos bem para onde ir, pois os próximos estágios demandavam um financiamento maior. Com a verba específica do MCTI e da própria UFPR, conseguimos realizar os ensaios iniciais. Tem até valores do nosso bolso, de nós pesquisadores. No entanto, eram recursos pequenos. Recebemos um auxílio importante do Governo do Estado do Paraná, para que a gente continuasse os ensaios da fase pré-clínica. Para a fase clínica, o que nós pensamos? Que poderíamos abreviar o aporte de recursos para as etapas do ano que vem. É principalmente sobre isso que se trata a campanha “Vacina UFPR”: para que tenhamos o menor atraso possível, no caso de os processos darem certo. A ideia é ter um Centro de Desenvolvimento de Vacinas. Portanto, a campanha não é apenas sobre a vacina da Covid-19, mas sobre criar uma estrutura que permita receber projetos de imunizantes da UFPR, de outras universidades do Paraná ou fora do estado. Para que aceleremos o processo de desenvolvimento de produtos na área de imunobiológicos, especialmente vacinas. Temos condições de criar um Programa de Desenvolvimento de Imunizantes UFPR. Temos pesquisadores bem formados nessa área e grupos de pesquisa de excelência. No entanto, precisamos estar preparados para dar esse salto, com início na fase clínica da Vacina da UFPR.

Maria Fernanda – Qual o principal benefício para a população brasileira da vacina desenvolvida pela UFPR?

Emanuel – Se a vacina se tornar realidade, existe o compromisso de produzir para o SUS [Sistema Único de Saúde] a preço de custo. Então, a sociedade receberá o retorno do investimento feito na Universidade. Na verdade, ainda vejo vários benefícios. Vamos ter um imunizante com produção mais rápida e uma maior proteção da população. A longo prazo, ao criar esse Programa de Desenvolvimento de Imunizantes UFPR participaremos da corrida tecnológica em relação às vacinas no mundo. Quem não participa fica dependendo de tecnologia para sempre. Há ainda um terceiro benefício: ao desenvolver uma indústria de vacinas robusta no Brasil e no Paraná, estaremos criando empregos de altíssima qualidade, não só para o pessoal da área médica e biotecnológica. Essa indústria vai necessitar de profissionais de maquinário ou programadores de computador, por exemplo. Todo um suporte de empregos de alta qualidade. Esse é só o começo da conversa, pois imunobiológicos é uma área muito importante para a indústria farmacêutica global. Isso que eu vejo como contribuição dessa pesquisa para a sociedade brasileira, especialmente para a sociedade paranaense.

As doações para a campanha “Vacina UFPR” podem ser realizadas em qualquer valor por depósito, transferência bancária para a conta da campanha ou usando a chave Pix. Confira mais informações.

Esse conteúdo foi produzido pela equipe da Agência Escola de Comunicação Pública UFPR, que também está no Instagram, Facebook, Twitter e YouTube.

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