Os bebês reborn — bonecas hiperrealistas que imitam recém-nascidos — conquistaram um espaço inesperado na sociedade, nas redes sociais e nas discussões públicas. O alerta é que esse fenômeno vai além da prática de colecionar itens ou da arte: para alguns grupos, essas bonecas são uma forma de lidar com emoções e sentimentos, como o luto, a solidão e a frustração da maternidade não vivida.
As situações relacionadas aos bonecos chegam a assustar: pessoas chegam com os bebês inanimados a hospitais, andam pelas ruas em carrinhos e os tratam como se houvesse vida ali. Diante disso, alguns sacerdotes e paróquias têm se posicionado sobre o assunto e destacam os limites entre a fantasia e a realidade, o respeito aos sacramentos e a dignidade da pessoa humana. A busca é por explicar que o afeto, quando direcionado a algo que não tem vida, pode exigir acompanhamento especializado, tanto psicológico quanto espiritual.
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Salvador (BA), emitiu um comunicado. Divulgado nas redes sociais, a Paróquia afirmou que não realizará batismos para bebês reborn e ressaltou que os sacramentos são atos sagrados destinados a pessoas reais:
“Os sacramentos da Igreja são atos sagrados e devem ser tratados com o máximo respeito. O batismo, em especial, é um rito solene destinado a pessoas reais, marcando o início da vida cristã. Por isso, não realizamos batismos nem qualquer atendimento religioso relacionado a bonecas ‘reborn’ ou objetos semelhantes. A nossa fé está centrada na vida e dignidade humanas. Agradecemos a compreensão.”
O debate ganhou ainda mais visibilidade com o posicionamento do Padre Chrystian Shankar que, com 3,7 milhões de seguidores no Instagram, usou o humor para esclarecer que não realiza batizados ou primeira comunhão para bonecas reborn, nem orações de libertação para “bebês possuídos por espírito reborn”. Ele destacou que situações ligadas ao apego extremo a esses objetos devem ser encaminhadas para avaliação de profissionais da saúde.
Outro esclarecimento partiu do Padre Gabriel Moretti que, em vídeo publicado em suas redes sociais, contextualizou o fenômeno a partir da perspectiva cristã:
“Eu vejo esse fenômeno como carência afetiva. Em casos extremos como caso patológico. A Igreja compreende a dor do luto, da solidão da maternidade que não foi realizada e reconhece que o afeto é uma força poderosa para o ser humano. No entanto, quando esse afeto é direcionado a algo que não tem vida, nós corremos o risco de distorcer a realidade e ferir a dignidade da pessoa humana”.
O sacerdote ainda destaca que a preocupação maior surge quando a linha entre realidade e fantasia se rompe. A pessoa passa a acreditar que o boneco tem vida e exige cuidados como um ser humano. Nesses casos, o acompanhamento psicológico e espiritual é fundamental para restaurar a percepção correta e promover a saúde integral.
O Catecismo da Igreja Católica (CIC) afirma que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. CIC 1700). Isso confere a cada pessoa uma dignidade única, que não pode ser relativizada ou substituída por objetos. Se a pessoa direciona um amor intenso e exclusivo a um objeto inanimado, corre o risco de desfigurar essa dignidade.
O fenômeno dos bebês reborn extrapolou o âmbito privado e religioso – alcançou debates sociais e legislativos. Em Curitiba (PR), a prefeitura emitiu um aviso bem-humorado numa rede social para alertar que os “pais” desses bonecos não têm direito a assentos preferenciais em ônibus públicos e esclareceu a quem eles se destinam.
Além disso, na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa de São Paulo, foram apresentados projetos de lei que visam multar quem tentar obter atendimento prioritário no Sistema Único de Saúde (SUS) por alegar necessidades baseadas no bebê reborn.
Esses são apenas alguns exemplos de desdobramentos do fenômeno.
A Igreja reforça a importância do acompanhamento emocional e espiritual para quem enfrenta a dor da perda, a solidão e a frustração da maternidade não realizada. O luto é uma experiência que requer acolhimento, oração e, muitas vezes, o apoio de profissionais especializados.
Os bebês reborn, para algumas pessoas, funcionam como uma tentativa de preencher essa ausência. Contudo, não devem substituir o contato humano, a vivência comunitária e a fé que acolhe e fortalece.
Já estão acontecendo também situações de violência relacionadas, como caso de um homem que agrediu uma família por achar que a criança, de apenas quatro meses de vida, era um bebê reborn. Ele disse que achou que os pais da criança estavam com uma boneca hiperrealista para furar a fila de um trailer de lanches. O suspeito foi preso, mas já teve liberdade provisória concedida.
A bebê foi agredida com um tapa no lado direito da cabeça. De acordo com o boletim de ocorrência da Polícia Militar, ela teve um inchaço atrás da orelha. Os pais levaram a filha para atendimento no pronto-socorro e a criança foi liberada no dia seguinte.
Vale relembrar a necessidade de sempre escolher um comportamento prudente e manso, que a violência não pode ser aceita — até mesmo se aquelas pessoas estivessem com um boneco.
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