Infância desprotegida: “um grito que sobe a Deus”

Infância desprotegida: “um grito que sobe a Deus”

“Quem recebe uma destas crianças em meu nome, está me recebendo.

Mas se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe seria amarrar uma pedra de moinho no pescoço e se afogar nas profundezas do mar” (Mateus 18,56)

“Cuidado para não desprezarem um só destes pequeninos! Pois eu lhes digo que os anjos deles nos céus estão sempre vendo a face de meu Pai celeste”. Mateus 18,10

É celebrado, no dia 24 de agosto, o Dia Mundial da Infância, data que foi instituída pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com o intuito de estimular a ponderação sobre o modo como estamos enxergando a infância em nosso País.

No Brasil, mesmo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vigente desde 1990, privamos muitas crianças de uma infância plena, com brincadeiras, fantasia e educação. Essas privações geram graves consequências para a vida adulta, com impactos físicos, psicológicos e econômicos, perpetuando um ciclo de pobreza repetido geração após a outra.

Para o ECA, a infância vai do momento em que a pessoa nasce até completar doze anos de idade. Sabemos que cada cultura atribui valores, condutas e expectativas sobre as suas crianças, variando o conceito de infância de lugar para lugar onde o indivíduo se desenvolve.

Ainda assim, podemos dizer que há um jeito próprio e único de todas as crianças se expressarem, se relacionarem com a natureza e com as pessoas, de sentir o mundo em volta de si mesmas.

Por essa razão, a infância plena, como um valor, precisa ser um direito de todo ser humano, independentemente de credo, origem e classe social. Determinadas condições, assim, precisam ser garantidas, para que todas elas possam desenvolver-se e alcançar todas as suas potencialidades.

E quais são essas condições?

Em primeiro lugar, a criança deve viver no seio de uma família, seja biológica ou substituta. Ela também deve frequentar creche ou escola. Deve, ainda, ter acesso a uma alimentação adequada, a remédios e a médicos.

Mas não é só isso. Não há infância plena quando permitimos que as crianças sejam esquecidas e exploradas. Quando elas passam, muito cedo, pelas preocupações e angústias da vida adulta; quando vivem confinadas em espaços minúsculos, onde não podem inventar, descobrir e explorar a natureza.

Ser criança plena é também receber o sim e o não, quando necessários. É receber o abraço do adulto, essa mistura de afeto e proteção. É ser estimulado a questionar, mas também a respeitar limites e a negociar. Durante a infância, devemos aprender um pouco de tudo sobre ser adulto, com leveza e sem as responsabilidades, que não deverão chegar antes do seu completo desenvolvimento.

A violência do trabalho infantil

A criança e o adolescente que trabalham se expõem a sérios problemas de saúde relacionados ao trabalho: cansaço, irritabilidade, alergias e até problemas respiratórios. Muitos trabalhos a que são submetidos exigem esforço físico que prejudicam também o seu crescimento, podendo afetar sua coluna e causar deformidades.

Elas também ficam mais expostas a abusos sexuais e físicos, pois estão inseridas em ambientes cercados de adultos, onde também é mais difícil protegê-las de conteúdos inadequados à sua idade. Também é comum terem dificuldade de interagir com grupos de outras crianças na mesma faixa etária, porque seus assuntos e responsabilidades estão muito fora da idade adequada. Elas, então, se “adultizam” muito cedo, antes mesmo de estarem psicológica e emocionalmente prontas para isso.

O livro do Papa Francisco, “Quem sou eu para julgar?” (Editora Leya Brasil, 2017), nos fala sobre como o abandono vivido pela maioria das crianças pede uma ação ativa de toda a sociedade:

O que vamos fazer com as solenes declarações dos direitos do homem e dos direitos da criança se, depois, punimos as crianças pelos erros dos adultos? Aqueles que têm a tarefa de encaminhar, de educar, mas, eu diria, todos nós adultos, somos responsáveis pelas crianças, e cada um de nós deve fazer tudo o que puder para mudar essa situação. Cada criança marginalizada, abandonada, que vive na rua mendigando e recorrendo a todo tipo de expediente, sem escola, sem cuidados médicos, é um grito que sobe a Deus e acusa o sistema que nós adultos construímos. (…) Em todos os casos são infâncias violadas no corpo e na alma. Com demasiada frequência recaem sobre as crianças os efeitos de vidas consumidas por um trabalho precário e mal pago, por horários insustentáveis (…). Frequentemente, absorvem a violência, da qual não têm condição de ‘se livrarem’ e, sob os olhos dos adultos, são obrigadas a se habituarem à degradação”.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) nos conta, no Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente, como a entrada precoce da criança e adolescente no mercado de trabalho afeta também a renda que ela vai obter ao longo da vida adulta. Fica, assim, mais difícil que essa criança possa, futuramente, melhorar seu padrão de vida e da sua família, o que afeta, ao final, a sociedade como um todo.

Em 10/6/2021 a UNICEF divulgou que o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil chegou a 160 milhões em todo o mundo, um aumento de 8,4 milhões de meninas e meninos nos últimos quatro anos, de 2016 a 2020. Além deles, outros 8,9 milhões de crianças correm o risco de ingressar nessa situação até 2022, devido aos impactos da Covid-19, de acordo com um novo relatório da OIT e da UNICEF.

Precisamos, todos, ser fiéis à promessa de cuidar das nossas crianças. É nosso compromisso com Deus e também como sociedade, pois o cuidado com a infância é responsabilidade de todos: o artigo 227 da nossa Constituição Federal diz que o Estado, a sociedade e também a família têm o dever de assegurar a todas as crianças os seus direitos e garantias, como prioridade absoluta – incluindo aí a saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, cultura, dignidade, respeito, entre outros. Como diz o provérbio africano, “é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança”.

Esses compromissos nos são lembrados novamente pelo Papa Francisco em seu livro, por meio das seguintes palavras, ditas antes na Audiência de 14/10/2015:

“Quanto somos leais em relação às promessas que fazemos às crianças, fazendo-as vir ao nosso mundo? Nós as fazemos vir ao mundo e essa é uma promessa, o que lhes prometemos? Acolhimento e cuidado, proximidade e atenção, confiança e esperança são promessas básicas que se podem resumir em apenas uma só: amor.

(…) Quando acontece o contrário, as crianças são feridas por um ‘ultraje’, por um ultraje insuportável, tanto mais grave por elas não terem os meios para decifrá-lo. Não conseguem entender o que acontece. Deus vela sobre essa promessa desde o primeiro instante. Recordam o que diz Jesus? Os Anjos das crianças refletem o olhar de Deus, e Deus nunca perde de vista as crianças (cf. Mt 18,10). Ai daqueles que traem a sua confiança, ai deles! O seu abandono confiante à nossa promessa, que nos compromete desde o primeiro instante, julga-nos”.

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